Existem várias maneiras dos seres humanos compreenderem as
intenções e sentimentos dos cães: através de seu latido, da maneira como
inclinam a cabeça, do movimento de suas patas dianteiras, e, é claro, da
abanação frenética de sua cauda.
A maioria dos proprietários de cães sabe ler seus
companheiros caninos muito bem, graças a esses sinais. Não é nenhuma surpresa,
portanto, que a prática de cortar a cauda de cães (caudotomia) tenha um efeito
profundo sobre sua capacidade de se comunicar – e não só conosco, mas também (e
principalmente) com outros cães.
Um estudo recente publicado na revista PLOS notou que a
falta de uma cauda longa pode afetar seriamente a vida social de um cão.
Segundo a autora Emily Anthes, esse procedimento bárbaro de
cortar vários centímetros da cauda de um cachorro, muitas vezes sem anestesia,
pode também dificultar a sua capacidade de transmitir suas intenções para
outros cães.
Anthes reviu uma pesquisa conduzida por biólogos da
Universidade de Victoria, do Canadá, em que os cientistas procuraram por
anomalias comportamentais potenciais causadas pelo comprimento da cauda de um
cão.
Os pesquisadores usaram um cão robótico caracterizando ou
uma cauda longa ou curta, e o expuseram a 492 cães em um parque.
Além do comprimento da cauda variável, o cão robótico foi
feito para abanar a cauda ou mantê-la parada.
Assim, há quatro diferentes
condições em que o cão robótico foi apresentado a seus “colegas”: cauda curta
parada, cauda curta abanando, cauda longa parada e cauda longa abanando.
Os pesquisadores documentaram e estudaram as várias maneiras
que os cães sem coleira interagiram com o cão robô.
A primeira coisa que eles notaram foi que os cães menores
quase sempre se aproximavam com cautela do cão robô. Já entre cães de tamanhos
iguais ou maiores, diversos comportamentos interessantes surgiram.
Estes cães eram mais propensos a se aproximar do modelo
robótico quando ele tinha uma cauda longa em movimento. Nesse caso, eles
interagiram com o robô 91,4% do tempo.
Isso faz sentido porque a longa cauda era flexível: o
movimento simulado pareceu se assemelhar ao de uma cauda balançando de um cão
real. Este tipo de movimento solto é muitas vezes visto um convite para se
aproximar, brincar; um sinal social de que o cão com a cauda abanando não é uma
ameaça ao outro cão.
Por outro lado, um cão com a cauda perfeitamente parada não
está emitindo esses óbvios sinais de “vem cá brincar”. Os cães de grande porte
se aproximaram do cão robô com uma longa cauda parada com uma frequência
significativamente menor: 74,4% do tempo.
Quando os pesquisadores trocaram a cauda longa pela curta,
estas preferências desapareceram.
Cães grandes abordaram o robô de cauda curta abanando com
quase a mesma frequência que abordaram o cão com a cauda imóvel (85,2% e 82,2%
das vezes, respectivamente).
Isso sugere que os cães eram menos capazes de discriminar
uma cauda que está sacudindo brincalhona de uma cauda parada quando a cauda é
curta.
A conclusão do estudo é que os sinais transmitidos por
diferenças em movimento são mais eficazmente transmitidos pelos cães quando sua
cauda é longa.
Os cães de grande porte também foram duas vezes mais
propensos a pausar enquanto se aproximavam do cão de cauda curta, talvez usando
esse tempo para tentar decifrar se deviam continuar se aproximando.
Isso significa que os cães ficaram confusos sobre as
intenções do cão robótico quando sua cauda era muito curta. Consequentemente,
os cães que têm seus rabos cortados estão em uma situação similar – condição
que provavelmente induz um estresse e incerteza significativos em suas vidas
sociais.
Estética = mutilação
A caudotomia e outros procedimentos para modificar um cão
por motivos estéticos, e não de saúde, não são recomendados.
Em 19 de março de 2008, o Conselho Federal de Medicina
Veterinária do Brasil proibiu especialistas de realizarem cortes de orelhas
para fins estéticos. A caudotomia ainda é possível, embora já seja banida em
diversos países, como Áustria, Bélgica, Croácia, República Checa, Estônia,
França, Grécia, Hungria, Islândia, Holanda, Noruega, Polônia, Escócia, África
do Sul, Suíça e outros.
Segundo Mário Marcondes, diretor do Hospital Veterinário
Sena Madureira, a cauda é uma “extensão” da coluna vertebral e é uma parte
bastante sensível do corpo do animal, e qualquer corte estético é uma simples
mutilação.
Embora o padrão de muitas raças recomende o corte (como
rottweiler, por exemplo), a caudotomia não é obrigatória. Cães com cauda
íntegra podem ter pedigree e participar de exposições do mesmo jeito.
Muitos proprietários já estão optando por não fazer a
caudotomia, que é o correto, segundo Marcondes, já que devemos considerar o
bem-estar do animal antes da estética, além do seu direito de se expressar e se
comunicar naturalmente conosco e com a sua própria espécie.