Você já deve ter conhecido alguém que é legal na vida real,
mas na internet é inconveniente. Aquela pessoa que posta fotos de cachorro
abandonado, do parente no hospital, ou ainda de momentos íntimos. O contrário
também é comum. Você conhece uma pessoa pela internet, seja porque ela é
engraçada ou porque é amigo de algum amigo e que parece ser legal, mas quando
encontra pessoalmente, o charme se vai. Esses desencontros passaram a fazer
parte da nossa vida há pouco tempo: nossa identidade virtual foi colada em quem
realmente somos socialmente.
Um sábio uma
vez falou que “o twitter me fez gostar de pessoas que não conheço e o facebook
me fez odiar pessoas que conheço há anos”. Na internet as pessoas se revelam de
outra forma, e ainda há muito o que ser equilibrado para que a etiqueta social
seja aplicada na vida virtual.
Muito desse descompasso está em poder criar uma persona
arbitrariamente editada na internet. Eu escolho qual foto colocar no meu
perfil, quais nuances ressaltar da minha personalidade, qual gosto por músicas
ou filmes eu divulgarei e quais opiniões sobre os acontecimentos eu darei. Tudo
pode ser meticulosamente calculado. Quem não tem noção do perigo que pode ser
expor algo íntimo na internet (pelo fato daquilo nunca mais ser apagado), corre
o risco de queimar sua imagem para sempre.
Penso que muito desse conflito é causado porque a internet
preenche um vazio da solidão do mundo moderno. Ela te acostuma a ter novidades
o tempo todo, a se mostrar e ser aceito pelos seus gostos. O like nada mais é
que um abraço – e não
fui eu que criei esse conceito. Você entra na lógica de se expor e ser
aceito e precisa retroalimentar o processo o tempo todo. Viramos “sacos sem fundo”
de carência.
Quem tem Instagram pode perceber isso claramente. Há sempre
alguém fazendo algo mais legal que você, em uma casa mais bem decorada que a
sua, comendo uma comida melhor que o seu jantar. Há até uma síndrome nomeada de
‘Fear
Of Missing Out’ para definir esse descompasso: é como se sempre estivéssemos
deixando de viver uma vida maravilhosa o tempo todo.
Acredito portanto que as pessoas que se expõem erroneamente
na internet estão tentando entrar nesse ritmo, criar pessoas interessantes,
conviver socialmente numa posição de destaque, mas que estão claramente
falhando. E isso é compreensível. É dificílimo se sair bem. São muitas
ferramentas, estímulos.
Uma hora é legal gostar de uma banda e minutos depois
isso foi vencido e já ficou determinado que é ridículo.
Outro dia brinquei:
“se você comeu e não tirou foto, essa refeição existiu?”, numa alusão à máxima
filosófica “Se uma árvore cai na floresta mas não há ninguém por perto, ela faz
barulho?”. Será que só faz sentido ir a um show se ele for instagramável,
tuitável ou compartilhável? Quem nunca sentiu ansiedade de estar vivendo um
momento e não poder compartilhar com uma dezena de outras pessoas, que atire a
primeira pedra.
Vivemos em uma lógica de sempre divulgar o que estamos fazendo
para sermos admirados. Viramos assessores de imprensa de nós mesmos.
Será que dá para dar um passo atrás? Eu realmente não sei.
Gostaria de propor um desafio para nos afastarmos um pouco dessa lógica,
sairmos de casa sem câmera, sem smartphone, e viver um pouco, mas me parece tão
banal e mais ainda: tão brutal. Será que dá? Não sei.
PS: Me lembrei de um dos vídeos que mais me
chocaram na internet: o ‘Dohan próprio’. Sem querer entrar no mérito dos
motivos dele gravar vídeos lendo seu detalhadíssimo diário, gostaria que você
assistisse prestando atenção no conteúdo. Almocei feijão, tomei banho, estou
usando minha camiseta nova. “Agora vou me banhar. Pronto, já o fiz”, diz ele em
certo momento. Será que não agimos todos como Dohan em alguns momentos?
PS 2: Depois de fechar a coluna, descobri esse vídeo, que
rodou as redes sociais nesta segunda-feira. Acho que vale ver também. De um
modo mais direto, ela fala a mesma coisa que eu tô falando ali em cima =)
Fonte: Revista Galileu por Débora Nogueira