Fatos que talvez você não saiba sobre a ditadura militar brasileira

Decapitações, cartas de amor e o dinheiro ilegalmente desviado por um famoso político paulista financiando as ações da esquerda armada. Que história!

1. Guerrilheiros capturados no Araguaia foram decapitados. Em 1972.

2. Em 1969, os militantes da VAR-Palmares ficaram pasmos ao terminar de contar o dinheiro conseguido em um assalto a um dos cofres do ex-governador paulista Adhemar de Barros Filho, guardado na casa da amante do político, no Rio: havia 2,5 milhões de dólares na “caixinha do Adhemar”.

3. Esse dinheiro financiou boa parte das ações da luta armada da oposição.

4. Nem a amante, nem a família jamais reclamaram o dinheiro, dizendo à polícia que o cofre fora roubado vazio. A fonte da riqueza: negociatas ilegais com bicheiros.

5. Um dos generais mineiros que participou do golpe contra João Goulart em 1964, Carlos Luiz Guedes mandou avisar que começaria a rebelião no dia 30 de março porque era “o último dia de lua cheia” e completou: “não tomo nenhuma iniciativa na minguante”.

6. Julio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de S. Paulo, e Vicente Rao redigiram o primeiro Ato Institucional da ditadura.

7. Gilberto Gil fez quatro músicas enquanto estava preso. Uma ele esqueceu. As outras foram “Futurível”, “Vitrines” e “Cérebro Eletrônico”.

8. Caetano Veloso, que foi preso com Gil e depois foi para o exílio, foi pressionado a fazer uma música sobre a Transamazônica.

9. Clara Nunes, que havia gravado “Apesar de Você”, do Chico Buarque, teve que cantar o “Hino das Olimpíadas do Exército” para limpar a barra.

10. Na ficha de Fernando Henrique Cardoso mantida pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), o então professor de Sociologia é descrito como “reconhecidamente comunista”.

“Criticou a presença de militares no governo”. Reprodução / Via arquivosdaditadura.com.br

11. Violeta Arraes, tia-avó de Eduardo Campos, coordenava a Frente Brasileira de Informações e recebia exilados em Paris.

12. Um dos codinomes de Dilma Rousseff durante a ditadura era Wanda. Ela militou no Colina (Comando de Libertação Nacional) e na VAR-Palmares.

13. Em 1982, no final da ditadura, havia mais de 6 mil pessoas trabalhando para a Comunidade de Informações do governo.

14. Recomendado em 1970 pelo Serviço Nacional de Informações ao general Médici, terceiro presidente da ditadura, para governar o Paraná, Haroldo Leon Peres foi pego extorquindo 1 milhão de dólares em um contrato com um empresário.

15. Em 1965, Castello Branco, primeiro presidente da ditadura, reclamou com o governador de Pernambuco: “Criar uma ditadura é fácil. Difícil é acabar com ela”.

16. Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar, orgulhava-se de não ter o hábito da leitura. Disse a um general que carregava um livro sobre a Guerra do Vietnã: “Você é um idiota, perdendo tempo com essas coisas. Hoje eu só faço palavras cruzadas”.

17. Uma das maiores prisões em massa da história do Brasil foi feita no Congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968: foram presos 920 estudantes.

18. Nos seis anos seguintes, 156 jovens com menos de 30 anos morreram militando na oposição ao governo militar. Ao menos 19 estavam em Ibiúna.

A propaganda do governo e a censura tratavam de classificar todos os opositores como terroristas. Alguns, como Carlos Marighella, defendiam assumir a denominação. Reprodução

19. Nos anos mais duros da repressão, depois do AI-5, uma placa no saguão de uma delegacia paulista avisava: “Contra a Pátria não há direitos”.

20. O apoio de parte de igreja à tortura ficou gravada na frase do bispo de Diamantina, d. Geraldo de Proença SIgaud, que declarou: “Confissões não se conseguem com bombons”.

21. Ao atender o telefone, oficiais do DOI do Rio identificavam o local como a “Funerária Boa Morte”.

22. Em uma cartilha do DOPS paulista, em 1973, a definição de torturado era: “expressão utilizada pela subversão para designar todos aqueles que se empenham ou colaboram na prisão de subversivos terroristas”.

23. Jorge Medeiros Valle, funcionário de uma agência do Banco do Brasil no Leblon, desviou mais de 2 milhões de dólares e reverteu parte do dinheiro para a luta armada.

24. Jorge ganhou o apelido de Bom Burguês do MR-8, para o qual doou dinheiro desviado. Também mandou verbas para o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.

25. Do outro lado, várias empresas ajudaram a custear a repressão. A Ford e a Volkswagen forneciam carros e a Ultragaz emprestava caminhões.

26. O pai de Sergio Fleury, delegado símbolo máximo da tortura em São Paulo e responsável pela morte de Marighella, era médico-legista e morreu contaminado por um cadáver.

27. Menezes ou Ernesto eram os codinomes de Carlos Marighella.

28. Na manhã de 15 de agosto de 1969, a Rádio Nacional, afiliada da Globo, foi invadida por doze militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), que colocaram no ar um manifesto gravado por Marighella. De fundo, o Hino Nacional e a Internacional Comunista.

29. O coronel Erasmo Dias chegou a desafiar Marighella para um duelo. Seria uma “luta de homem para homem, em campo aberto”.

30. Segundo o “Manual do guerrilheiro urbano” de Marighella, o guerrilheiro ideal “deve possuir iniciativa, mobilidade e desembaraço”.

Marighella: o homem mais procurado do Brasil gostava de batidas de limão. Reprodução / Viaarquivosdaditadura.com.br

31. Na ação que resultou na morte de Marighella, comandada por Fleury, a polícia também matou um dentista alemão que passava de carro por ali e nada tinha a ver com a história.

32. O cineasta francês Jean-Luc Godard destinou à ALN parte dos lucros do filme “Vento do Leste”.

33. Não foi o único artista europeu a apoiar a causa à distância: Joan Miró, pintor catalão, vendeu desenhos para ajudar a pagar as contas de um guerrilheiro que viajava por Roma.

34. Ao longo dos anos de 1964 a 1968, 308 denúncias de tortura foram registradas nas cortes militares. Em 1969 apenas, foram 1027. E, em 1970, 1206.

35. Sequestrado em 1970, o embaixador alemão Ehrenfried von Holleben foi trocado por 40 presos políticos, entre eles Fernando Gabeira — que havia participado do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, que por sua vez servira de moeda de troca pela liberdade de 13 presos, entre eles José Dirceu.

Entre os presos políticos trocados pelo embaixador americano, José Dirceu (o segundo em pé, da esquerda para a direita). Wikicommons / Via pt.wikipedia.org

36. Os militares envolvidos na tortura eram chamados de “tigrada”.

37. Entre as gírias da tigrada, estavam “pau” para a tortura, “maricota” para o magneto dos choques, e “cachorro” para os informantes infiltrados.

38. Durante a Copa de 1970, antes de uma sessão de tortura no DOI-CODI do Rio, um torturador avisou um preso: “Se não falar em dez minutos, vai morrer hoje. Eu não quero perder o jogo”.

39. Ao se despedir dos sequestradores na hora da libertação, depois de cinco dias de cativeiro, Holleben disse: “Pensei que vocês estivessem melhor organizados”.

40. Giovanni Bucher, embaixador da Suíça, foi sequestrado em dezembro de 1970 e trocado por 70 presos. Durante o sequestro, Bucher escrevia cartas à família e jogava biriba com Carlos Lamarca.

A notícia do sequestro do embaixador alemão, libertado cinco dias depois. Reprodução

41. Após a libertação, Bucher recusou-se a identificar seus sequestradores. Disse que só os vira de máscara, o que era mentira.

42. Para celebrar o tricampeonato conquistado na Copa do México, Médici bateu uma bolinha no palácio da Alvorada.

43. Na Semana Santa de 1970, uma igreja de Paris colocou no altar um Cristo algemado, com um tubo na boca, um magneto na cruz e uma bola onde se lia “Ordem e Progresso”.

44. No governo Médici, a repressão matou 120 pessoas. Somadas, as gestões dos dois presidentes anteriores (Castello Branco e Costa e Silva) tiveram 59 mortos.

45. No Araguaia, durante a guerrilha, o PC do B distribuiu um panfleto intitulado “Proclamação da União Pela Liberdade e pelos DIreitos do Povo”. Segundo o Partidão, era um “documento simples, acessível”. Mas o texto, de 4 mil palavras, usava termos como “estagnado”, “urbanização” e “ramos da administração”.

46. Durante o combate à guerrilha no Araguaia, o Exército inventou uma empresa chamada Mineração Aripuanã para disfarçar suas manobras na região.

47. No início dos anos 70, os alternativos “Pasquim” e “Opinião” chegaram a vender 100 mil exemplares — mais que a circulação das revistas “Veja” e “Manchete” somadas.

48. O “Opinião” durou cinco anos, de 1972 a 1977. Publicou 5 mil páginas — e teve 5 mil censuradas.

Irreverente, o Pasquim virou símbolo da imprensa “nanica”, embora tenha vendido mais exemplares que a Veja Reprodução

49. A contagem de mortos ainda não é assunto fechado. Foram 356 assassinados pela direita, segundo a estatística oficial, e 119 mortos pela esquerda (segundo Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI de São Paulo).

50. Enquanto estavam separados, Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército que trocou o quartel pela luta armada contra a ditadura, escrevia um diário romântico para Iara Iavelberg, sua mulher. “Penso adoidadamente em ti – é impressionante – nunca pensei amar tanto”, diz um trecho.

51. Tanto Carlos quanto Iara foram mortos pela repressão em 1971, com menos de um mês de diferença.

52. Geisel, quarto presidente da ditadura e mentor da reabertura política, nunca blefou no pôquer. “Tenho medo da vergonha de ser apanhado”, disse ao jornalista Elio Gaspari, autor das séries “As Ilusões Armadas” e “O Sacerdote e o Feiticeiro”, investigações mais completas sobre os anos da ditadura militar no Brasil e fonte para a maioria destas informações, relançadas pela Editora Intrínseca este ano.

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Nos cartazes de “Terroristas Procurados”, Lamarca e Iara Iavelberg são os primeiros.