Traição, um duplo problema


Trair ou não trair? Esta é a grande interrogação que paira na cabeça de muitas mulheres hoje em dia. O problema é que elas podem estar navegando sem bússola num mar agitado. Não existem mapas, roteiros, guias que apontem o rumo a seguir - exceto as telenovelas e os romances de amor, que mostram as ligações extraconjugais de forma idealizada, irreal.
A sexóloga norte-americana Carol Botwin, em seu livro Tempted Women (Mulheres Tentadas), analisa as paixões, perigos e agonias da infidelidade feminina. É claro que existem mulheres que nunca se vêem cometendo atos de infidelidade, imaginários ou não. Essas são as que se sentem bem casadas, ou que tiveram uma educação muito repressiva e bloqueiam seus desejos e fantasias românticas. Porém, muitas mulheres, cedo ou tarde, acabam por cometer traições imaginárias. São fantasias deliberadas, que podem ser curtas ou longas, fragmentadas ou repletas de detalhes.
Mulheres que sofrem de frustração sexual intensa e/ou privação emocional prolongada nos seus casamentos podem vir a descobrir que essas fantasias abrem o apetite, em vez de saciar a fome.
Certas mulheres fantasiam raramente e de forma espontânea; outras programam sonhar de olhos abertos como parte de seu dia-a-dia. Algumas se concentram no lado romântico dos encontros imaginários, evitando as cenas de sexo explícito, enquanto outras imaginam detalhadamente, intensamente, estas cenas de amor.
Algumas constroem em suas mentes amantes ideais; outras arquitetam seus sonhos baseadas em homens de carne e osso que, supostamente, possuem todas as qualidades que faltam ao marido.
Mas, muitas vezes, as traições não ficam apenas no plano da imaginação. Os estudos mostram que, nos Estados Unidos, 40% a 55% das mulheres vivem pelo menos um envolvimento extraconjugal até a idade de 40 anos. E que a época mais perigosa é entre 30 e 40, quando a infidelidade surge como uma resposta contra a monotonia do casamento e as tentações que não se concretizaram.
Desde a revolução sexual, nos anos 70, um número considerável de mulheres teve uma vida sexual bem intensa e variada. No Brasil, não existem dados sobre a extensão dessa mudança de comportamento. Entretanto, sabemos que nos Estados Unidos, enquanto as mulheres que se casaram antes da revolução sexual esperavam cerca de quinze anos para ter uma ligação extraconjugal, atualmente esperam pouco mais de cinco anos.
Outro dado interessante: as mulheres mais velhas tendem a compensar a insatisfação no casamento com um caso extraconjugal, mas permanecem casadas, enquanto as mais jovens, no momento em que se frustram, se desiludem, se convencem da inutilidade da relação - quando realmente se sentem infelizes -, separam-se ou divorciam-se.
O que leva uma mulher a trair?
Se uma mulher vem sonhando com um caso, vem pensando nisso há muito tempo, na verdade está plantando uma semente mental que um dia poderá germinar. O casamento não dá certo para todos. Sem dúvida nenhuma, ele reduz a possibilidade de novas experiências, particularmente no plano sexual.
À medida que o casamento vai seguindo seu curso, muitas mulheres se vêem em situações que propiciam o aparecimento de uma aventura, de um amor secreto, de uma grande paixão. Os estudos mostram que, quanto maior a duração do casamento, maior a possibilidade de desilusão. As raízes do desapontamento são excesso de trabalho, longas separações, frieza sexual, conflitos emocionais de todo o tipo, longos silêncios, conversas chatas, manias; enfim, do inevitável tédio do dia-a-dia até as mais terríveis formas de sofrimento que um parceiro pode causar ao outro.
Com o tempo, a mulher pode se sentir profundamente entediada e deprimida. Mas, pior do que o tédio é a sensação de insignificância. E, quanto maior esta sensação de inutilidade, maior o risco, mais vulnerável ela se torna a um relacionamento extraconjugal, porque este lhe daria, pelo menos por algum tempo, a noção do seu próprio valor.
Por outro lado, quando a mulher se dá conta de que o tempo está passando, as rugas se acentuando, a vida ficando mais curta, pode surgir um mal-estar indefinido, acompanhado da pergunta: "Para onde a vida me carregou até agora?"
No início do casamento, as fraquezas, as manias, a "loucura" do outro parecem toleráveis. Com o passar dos anos, quando nos damos conta de que não conseguimos recapturar a intensidade do início da relação a dois, surge um certo grau de desespero ("Será que eu nunca vou ter nada mais do que isso na vida?"). Na verdade, esta sensação pode aparecer a qualquer momento depois dos 30.
A descoberta de que o tempo passa e impõe mudanças na vida da gente muitas vezes provoca reações depressivas. A depressão pode acontecer em qualquer fase da vida. No entanto, homens e mulheres atravessam um momento crítico entre 45 e 55 anos, ficando, nesse período, mais sujeitos à depressão.
Em conseqüência disso, podem ser invadidos por ondas periódicas de tristeza, de desesperança, de desânimo. A vida perde o encanto, a cor, o interesse; somos tomados pelo medo de não poder concretizar nossos sonhos.
A busca de uma relação extraconjugal nesta fase é um fenômeno conhecido de longa data entre os homens. Agora, estamos começando a ver que o mesmo acontece com as mulheres, porém, com uma diferença. O homem, nesta época da vida, normalmente procura uma mulher solteira, descomprometida e bem mais jovem para ser sua "fonte de juventude", enquanto a mulher se aproxima de um homem casado, mais ou menos da sua idade, tentando compensar os encontros de amor não vividos.
Para a mulher, emoção é o que conta
Um encontro casual pode ser altamente excitante para o homem, simplesmente porque é pouco comprometedor e de curta duração. A sexualidade masculina costuma liberar-se mais e melhor quando há menos envolvimento emocional. Para muitos homens, sexo e amor nem sempre andam juntos.
É exatamente a dificuldade em lidar com a proximidade e o envolvimento emocional que estimula o homem a manter ligações casuais. Nestas, ele pode buscar o prazer sexual sem se comprometer, sem se mobilizar afetivamente. Para a maioria das mulheres, isto é muito mais difícil, pois normalmente sexo e amor estão entrelaçados.
Para os homens, o grau de intimidade emocional pode variar de uma relação para outra sem que isso comprometa o prazer sexual, enquanto as mulheres procuram a intimidade, desejam-na, sonham com ela e ficam imensamente decepcionadas quando vão ao encontro dos seus amantes e ela está ausente.
Os homens, ao contrário, como são programados, educados para a luta, para a conquista, ao se ligarem mais intimamente a uma mulher, podem entrar num estado de ansiedade latente, contida. Sentem um vago mal-estar, sem saber por quê. Essa angústia pode gerar uma reação de esfriamento, de distanciamento - que termina com o clássico "pular fora", tão característico no comportamento de certos homens.
Para o homem, sexo significa desafio, conquista, variedade. Para a mulher, sexo significa intimidade, apego e segurança. Essas atitudes se traduzem em duas equações diferentes.
Temos, assim, para a maioria dos homens:
sexo=sexo mais (às vezes) amor
E para a maioria das mulheres:
sexo=amor
Como seria de esperar, esta diferença de conduta diante de algo tão importante como o sexo acaba gerando conflitos. Enquanto a maior parte das mulheres tende a ligar sexo com amor, os homens o encaram mais como diversão. Por isso, não se sentem tão culpados em relação ao adultério. Para eles, o comportamento sexual não emocional (uma escapada, uma breve aventura) não soa como uma séria ameaça ao casamento.
Os homens conseguem, com relativa facilidade, colocar em compartimentos estanques o sexo e o amor, a diversão e a afetividade. Já para muitas mulheres, isso é quase impossível.
Entretanto, com a revolução sexual, começou a surgir um novo tipo de mulher que age de maneira muito parecida com os homens. Ela gosta de caçar e ser caçada, assume o espírito de aventura tipicamente masculino. Assim, uma relação extraconjugal é vista como "algo mais" na vida dessas mulheres.
Muitas delas se apaixonam por seus amantes, mas não deixam de amar os maridos. São capazes de ter dois amores ao mesmo tempo; como os homens, elas aprenderam a compartimentar as emoções, ou seja, acreditam que sexo e amor não precisam necessariamente andar de mãos dadas.
A infidelidade, no entanto, tem seu preço: ela pode parecer uma resposta para certos problemas, mas simultaneamente pode criar outros. Mais cedo ou mais tarde, será preciso pagar a conta.
Homens e mulheres são infielmente diferentes
Durante a revolução sexual, buscou-se a igualdade entre os sexos. Agora, já sabemos que existem inúmeras diferenças entre homens e mulheres. No terreno da infidelidade, essas diferenças são evidentes.
Sabemos que a maioria das mulheres infiéis está descontente com o casamento, sente que alguma coisa está errada. Já a maioria dos maridos infiéis não pretende se separar de suas esposas, não se considera infeliz no casamento. O que eles buscam num envolvimento extraconjugal é a aventura em si mesma, a novidade, alguém para excitar seus sentidos.
A outra diferença básica é que para as mulheres, muitas vezes, o ponto de partida é o envolvimento afetivo. A motivação, a "cola", é a própria relação. O sexo vem em segundo plano. No comportamento masculino, a seqüência se inverte: primeiro vem o sexo, depois o envolvimento, se é que ele chega a acontecer.Em geral, os homens desistem antes de se expor ao perigo: "É melhor pular para o outro barco, porque este logo vai afundar".
De fato, as mulheres tendem a viver mais intensamente seus amores secretos. Os estudos mostram, por exemplo, que para elas é mais difícil continuar mantendo relações sexuais com seus maridos do que eles, quando estão sendo infiéis.
Como já vimos antes, a maioria das mulheres não consegue compartimentar, separar em sua mente, sexo e amor. Já os homens, muitas vezes, se sentem estimulados, vitoriosos, com a idéia de possuir duas mulheres, de participar de um triângulo amoroso, e não se mostram nem um pouco constrangidos em ter relações ora com uma, ora com outra.
Mais uma diferença importante: os homens mostram-se menos preocupados com a discrição. Já as mulheres casadas em geral traem em segredo. Mantêm-se discretas porque, normalmente, sentem mais culpa, enfrentam um conflito de consciência maior e sabem que as conseqüências sobre o casamento podem ser mais destrutivas.
A maioria das mulheres casadas se envolve lentamente. A relação pode levar meses ou até anos para se consumar, ao contrário do relacionamento entre descasados, no qual o sexo geralmente acontece logo nos primeiros encontros.
Um caso extraconjugal é uma questão séria para as mulheres, especialmente depois dos 40. Muitas vezes, aliás, pode tornar-se um inferno emocional, porque essas mulheres costumam criar vínculos complexos, emaranhados, intrincados, em que a paixão se mistura ao amor, que por sua vez vem embrulhado na amizade... Por isso, é tão difícil separar o que é o quê ("Não consigo entender direito o que sinto por esse homem, só sei que é muito forte"). As mulheres têm mais dificuldades de separar as emoções em gavetas diferentes.
Contar ou não contar, eis o dilema
A pessoas podem mentir praticamente sobre qualquer coisa. E elas mentem. Mas eu tenho certeza de que as mentiras sexuais superam todas as outras.
Mesmo assim, é muito difícil manter traição em completo segredo. Além de várias possibilidades, como a descoberta acidental (encontrar a sogra, o melhor amigo ou mesmo a esposa num estacionamento ou numa esquina), há também o risco dos "micróbios do amor" (tricomonas, gonorréia, uretrites), sem mencionar a terrível e muito concreta ameaça da Aids.
As marcas dos encontros apaixonados (mordidas e arranhões) ou o comentário de um vizinho ou de um garçom distraído tornam o sigilo quase impossível.
Em geral, arma-se uma conspiração de silêncio. Mesmo os que desconfiam ou sabem, evitam comentários diretos. De outro lado, existem as cartas anônimas, as insinuações maldosas e mesmo os detetives particulares para flagrar os amantes.
Quando o marido ou mulher ficam sabendo, experimentam emoções que vão do medo paralisante à raiva incontrolável. Sua reação pode variar da passividade total à violência explícita, dependendo da capacidade que cada um tem de expressar seus sentimentos, do quanto se culpa pelo que aconteceu e do temor, do pavor mesmo, que a possibilidade de separação lhe infunde.
Para provocar o rompimento, a briga final, o cônjuge infiel pode criar um vazamento proposital de informações: contas de telefone, de cartões de crédito, inventar uma história e depois de contradizer, enfim, deixar pistas ostensivas para ser apanhado.
Também ocorrem com muita freqüência confissões deliberadas, voluntárias. Os motivos são os mais variados: pode ser um profundo sentimento de culpa, a necessidade de obter perdão, o desejo de se vingar, a vontade de acabar com o affair, de continuar com ele ou de provocar o divórcio. Às vezes, as confissões são planejadas com antecedência, outras vezes, ocorrem em meio a uma briga, na forma de uma explosão, quando aquele que está traindo se sente provocado além dos limites ("Ela falou, naquela noite, pela milionésima vez..."). Nesse caso, a revelação pode abalar o casamento, pode ser o torpedo que faltava para pôr o barco a pique.
Diante desse quadro, o dilema permanece: contar ou não contar? No período da revolução sexual, as pessoas acreditavam que a sinceridade era o valor máximo na relação a dois. A honestidade emocional virou uma bandeira.
Hoje, as pessoas param para pensar. Contar quando, como, por quê? Sentimentos (tanto os seus quanto os do parceiro) são complexos e, sobretudo, frágeis. O menor abalo pode estilhaçá-los. Será que vale a pena, em nome da "sinceridade", provocar ferimentos incuráveis e cicatrizes que ficarão para o resto da vida?
Na verdade, certas coisas não devem ser faladas ao parceiro. Quem pratica a infidelidade muitas vezes "conta tudo" para se livrar da culpa. É melhor desabafar com um amigo, uma pessoa de confiança, que saberá entender. Transformar o cônjuge em confidente só serve para submetê-lo a um sofrimento inútil.
Se a decisão for contar, é preciso saber quando e como. E nunca entrar em detalhes. Estes pertencem à intimidade de quem viveu a situação. Além do mais , relatos minuciosos só servem para provocar angústia, revolta e desespero em quem foi traído.

Fonte: Livro Encontros, Desencontros e Reencontros de Maria Helena Matarazzo