Lançamento de remédio com maconha reacende debate sobre droga medicinal no Brasil


O lançamento mundial de um medicamento produzido à base de maconha pela farmacêutica britânica GW Pharma, e que será comercializado na América do Norte e na Europa pelo laboratório Novartis, reacendeu as discussões entre os especialistas brasileiros sobre o uso medicinal da droga no país.

Por aqui, o princípio ativo do remédio (Sativex), usado para aliviar a dor de pacientes com esclerose múltipla, não é permitido. O Brasil assinou diversos tratados diversos que consideram a substância ilícita, o que dificulta inclusive o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre as propriedades terapêuticas da planta e suas reações no cérebro.


Pesquisadores comparam a importância do estudo da
Cannabis sativa (nome científico da maconha) com a relevância do ópio para o desenvolvimento da morfina - medicamento essencial para o tratamento da dor aguda. E reforçam o argumento de que a possibilidade de uso medicinal não é sinônimo de liberação ou legalização da droga.
Hercílio Pereira de Oliveira Júnior, médico psiquiatra do Grea (Programa Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), da USP (Universidade de São Paulo), diz que "o  medicamento tem estudo clínico, existem proporções corretas das substâncias usadas, imprescindíveis ao seu funcionamento".
De acordo com Oliveira Júnior, ao contrário do remédio, a droga ilícita não tem padrões de equilíbrio entre os substratos terapêuticos e pode causar danos à saúde de quem a consome.
– Pode ampliar a ansiedade, causar um estado depressivo e psicótico, com alucinações, e problemas pulmonares provocados pelo ato de fumar.

Perspectivas


Estudos comprovam que a
Cannabis reduz os efeitos colaterais da quimioterapia, como náusea e vômito, estimula o apetite em pacientes com Aids, pode ser usada para tratar o glaucoma e aliviar a dor crônica. Oliveira Júnior diz que "as perspectivas científicas mostram que vale a pena aprofundar os estudos sobre a planta".

O Sativex, por exemplo, não é vendido como cigarro - e sim na forma de um spray. Sua composição reúne apenas dois substratos da maconha: o delta9-tetraidrocanabinol e o canabidiol. Dartiu Xavier da Silveira, professor livre docente em Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que o produto "não causa mais ou menos dependência do que calmantes e antidepressivos".
– A dependência não é argumento considerável para proibir até mesmo a pesquisa.

Defensor da criação de uma agência reguladora para o setor, Oliveira critica a legislação restritiva brasileira e afirma que o preconceito trava a pesquisa de medicamentos que poderiam ser desenvolvidos até para tratar a dependência química.
– A questão não é proibir, mas controlar. Não se proíbe a morfina porque algumas pessoas fazem mau uso.
O psiquiatra lembra que não é necessário o plantio em terras brasileiras da maconha para os estudos.
– Para pesquisa, podemos importar.

Diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Unifesp), o psico farmacologista Elisaldo Carlini também diz que o Brasil está atrasado em relação às pesquisas sobre o potencial terapêutico da maconha por puro preconceito.
– No século passado, foi considerada droga diabólica e só nos últimos 30 anos é que se retomaram os estudos terapêuticos.

De acordo com ele, pesquisas mostraram que o cérebro humano possui ramais de neurotransmissores e receptores sensíveis ao estímulo da substância. O sistema foi chamado de endocanabinoide, que, se cientificamente estudado e estimulado, pode levar ao alívio ou à cura de várias doenças.


Legislação


Até o momento, a legislação brasileira proíbe o consumo de qualquer medicamento à base de maconha. Mas uma decisão judicial pode autorizar seu uso em casos específicos. A comercialização do Sativex ainda não foi autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A agência não se manifestou sobre o assunto.
 
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Fonte: R7