Bolsa: o universo portátil

Há quem diga que é possível desvendar a personalidade de uma mulher por meio da bolsa que usa. Será? Especialistas e apaixonados pelo acessório ajudam a descobrir o que se esconde por dentro e por fora de uma bolsa.
A bolsa é uma extensão do corpo da sua dona. O apêndice vistoso, no entanto, não tem nem pele, nem osso, mas recebe de bom grado artigos de primeira necessidade, beleza, alguns segredos, muitos planos. Seria melhor então dizer que elas, as bolsas, são uma continuação da alma feminina. Afinal, se alguém se dispuser a olhar para esse acessório com mais atenção, será capaz de encontrar pistas sobre a mulher que o conduz. O sociólogo francês e professor da Universidade Sorbonne Jean-Claude Kaufmann dedicaram-se à tese de ler as mulheres por meio de suas bolsas e suas impressões foram parar no livro Le Sac. Un Petit Monde d’Amour, na tradução A Bolsa: um Mundinho de Amor.
Mesmo sem previsão para o lançamento por aqui, resolvemos repercutir a idéia de Kauf­mann e não demoraram a surgir teses sobre as bolsas, suas donas e o que elas guardam nesses universos portáteis. Para a psicóloga Cleia de Oliveira, a escolha do acessório, a forma com que é carregado e o que há no seu interior falam muito a respeito da mulher que o ostenta. “O caminho mais lógico é olhar o exterior e, por aí, avaliar o seu gosto estético, sua necessidade de chamar atenção, se é consumista. O interior é, com certeza, mais rico em detalhes, mas não está disponível ao olhar dos outros. Aquele é um espaço privado, não é para ser mostrado em público”, comenta. Nesta linha, seria possível pensar que uma mulher que consegue saber tudo que tem e onde está guardado na bolsa, muito provavelmente tem controle também da sua vida. Outra que encara cada busca dentro do acessório como uma aventura, no entanto, deve ser mais curiosa e criativa que a primeira.
Personalidade
Se o interior é sagrado, o exterior de uma bolsa pode e deve ser discutido. Se a mulher em questão prefere bolsas cheia de penduricalhos, provavelmente queira chamar atenção. Se gosta do acessório em náilon, com formas simples, muito provavelmente busque praticidade. Segundo o arquiteto e designer de bolsas Marcos Novak, isso é mais evidente nos acessórios – principalmente as bolsas – porque eles são capazes de diferenciar quem os usa. “A grande maioria das pessoas se veste dentro do que se espera para elas, segue propostas básicas, que combinem com seu corpo. Mas a bolsa está descolada disso e, por isso, tem um valor suplementar. As produções são diferentes e a mesma bolsa está lá. Ela vai aonde essa mulher vai”, diz ele, que, durante a criação, prefere bolsas essenciais. “Tudo que é aplicado na bolsa precisa ter valor e função. A textura agrada aos olhos, ao toque, quem a fez está representado ali. A alça é daquele jeito para abraçar o ombro. Os excessos não são essenciais. A elegância, como disse o poeta francês Paul Valéry, é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir”, comenta.

Múltipla personalidade

“Mulher sem bolsa, não é mulher”, diziam a mãe e a tia da designer Juliana Ribeiro Olmedo, 28 anos. Por via das dúvidas, ela nunca contrariou o ensinamento. A primeira bolsa de que tem lembrança foi um elefante de pelúcia rosa. Vieram tantas outras depois, que Juliana perdeu a conta. “Tenho um armário cheio delas”, diz. Ela até tentou fazer um levantamento de todas as peças, mas desistiu quando percebeu que não recorreria ao cadastro toda vez que fosse sair de casa. “Foi bom, porque encontrei umas bolsas que eu tinha esquecido que existiam”, comenta ela que, segundo a última contabilidade, tinha um pouco mais de cem peças.

As preferidas são as mais coloridas, inusitadas, com um detalhe ou material diferente. Aliás, dando uma boa olhada no armário, não há modelos simples. “Se alguém for tentar me analisar por isso, acho que vai chegar a uma pessoa moderna, diferente, louca por novidades. Eu sou assim mesmo”, diz, dando a dica. Para ela, quanto mais bolsas tiver, melhor. Por isso, não se importa com a marca. “Topo até uma cópia. Porque aí sobra dinheiro para comprar outras. Eu chego a trocar de bolsa três vezes por dia”, diz ela.

Necessidade básica

Depois de perder coisas por todos os cantos, o assessor de imprensa André Santos Biesemeyer Costa, 29 anos, foi convidado pela esposa a acompanhá-la a uma loja de bolsas. Reclamou, olhou desconfiado para o acessório, jurou que não se acostumaria a ele, até ceder aos pedidos da amada. Foi para casa com um modelo em couro preto, compacto com alça a tiracolo. Agora, portando a sua segunda bolsa (em couro marrom escovado), declara fidelidade ao objeto.

Feito o comentário, André revela que sua bolsa masculina o livrou da preocupação de esquecer as coisas, é uma ótima “companheira” em sua caminhada para o trabalho, dá condições de guardar seus pertences de forma organizada e ainda sobra espaço. Muito espaço. “Isso é um problema até. Eu fico procurando coisas que caibam nela. Quando fica muito cheia, eu faço uma faxina”, comenta ele, enquanto mostra os guardados: carteira, GPS, bloco de Estar, chaves, contas. E o celular? “Este vai no bolso. Você por acaso já viu uma mulher atender rápido ao celular? Não, porque ela fica horas procurando na bolsa, no meio daquelas coisas todas. Isso é o que eu chamo de gerenciamento inteligente da bolsa masculina”, brinca. 

Dama das bolsas

Se fosse por gosto, a estilista Stephanie Schafer, 24 anos, usaria apenas carteiras. De todos os tipos. Grandes, pequenas, coloridas, de materiais diferentes. Dando uma olhada na moça, compreende-se a preferência. O estilo lady like – feminino com um perfume retrô – tem tudo a ver com o acessório. Mas a rotina, a correria do dia a dia e a necessidade de carregar o mundo dentro da bolsa, fizeram com que optasse por modelos maiores. “E olha que são gigantes mesmo”, conta a estilista, que confecciona seus próprios acessórios. As bolsas favoritas ficam para os momentos especiais e para quando dá tempo de voltar para casa e caprichar na produção.

O modelo floral usado no dia da foto acondicionava confortavelmente uma blusa, uma pashmina, o livro The Lighthouse, de Virginia Woolf, chave, agenda, contas e mais cinco nécessaires: uma de remédios, outra de maquiagem, um kit de higiene, uma para o celular, a das moedas.

Mas para quem acha que só as flores da estampa e as carteiras delicadas matam a charada da personalidade da estilista, espere só para vê-la por aí ostentando nas costas uma mochila cheia de línguas de Mick Jagger... Será que dá para decifrar?

Na hora da escolha 
A bolsa, na opinião da consultora de imagem Sylvia Cesário Pereira, não precisa combinar com a roupa. Aliás, ela precisa ter a cara e o estilo de quem a usa. Por isso mesmo, ela defende que se tenha poucas e boas bolsas. Confira as dicas para escolher a sua:


- Bolsa é importante, mas não mais do que um sapato, uma vez que ela está descolada do corpo, sai de cena quando você chega em um lugar e a deixa do lado. Ela precisa cumprir seu papel: ter espaço para carregar tudo o que você tem, combinar com as suas roupas e vestir bem, ser anatômica, confortável, não pesar muito. Além disso, precisa ser elegante. O que não quer dizer, necessariamente, ter marca.

- A bolsa é capaz de completar um look e torná-lo elegante. A roupa veste, modela o corpo, valoriza os pontos fortes, esconde os fracos. O acessório, ao contrário, complementa. É um item de estilo e, por isso, precisa falar de você, dos seus gostos.

- Fique de olho na qualidade do material: às vezes vale a pena investir numa peça boa, do que ter várias com vida útil curta. 
Evolução 
A professora de história da moda e moda contemporânea do Senai Daniela Nogueira, o designer de bolsas Marcos Novak e Dhora Costa, autora do livro A História das Bolsas, desenham a linha do tempo deste acessório dos sonhos

- Pequenas e preciosas na Idade Média , elas se transformaram na atualidade em maxi bolsas. Tudo começou com uma pequena fenda, chamada fichet, localizada entre a anágua e a saia principal. A fenda acessava um bolso de pano (costurado ou amarrado à cintura) onde eram colocados pertences pequenos. 
- Foi só Napoleão ser coroado, que a silhueta do império reduziu o excesso de tecidos das roupas e surgiram as réticules: pequenas bolsas artesanais levadas com as mãos, sob os dedos – início século 19. Depois vieram as chantelaine de couro, com extensões para prender objetos, como chaves.
- Primeiro foram os sacos de couro que levavam moedas. Depois, o desenvolvimento do maletier, um construtor de bolsas. E a história foi se aproximando cada vez mais da necessidade de caprichar na parte estética do acessório. Na segunda metade do século 19, foi criada a Louis Vuitton, que começou a fabricar malas e baús para viagem. Com o passar do tempo, surgiu o desejo de criar um objeto capaz de carregar um mundo particular. A imperatriz Eugênia tornou-se fã das bolsas. 
- Na Belle Epoque, por volta de 1900, para as idas ao teatro e passeios ao ar livre, as chatelaines (feitas de prata ou ouro), presas às saias levavam pequenos perfumes, leques, binóculos, etc. 
- Nos anos 1930, o cinema manteve a aura do objeto e o que se vê são carteiras, dos mais diferentes criadores. Carteiras que levam cigarros, espelhos e o que mais pode servir de arma para uma mulher sedutora e poderosa, bem no estilo de Gilda, vivida por Rita Hayworth. Nesta época as bolsas ganharam o direito de ser carregadas nos ombros ou seguradas pelas mãos.

- Durante a Segunda Guerra Mundial, na década seguinte, surgiram as bolsas tiracolo, que deixam as mãos livres para andar de bicicleta – meio de transporte comum na época da recessão parisiense.
- Nos anos 1950, Grace Kelly usou uma bolsa Hèrmes para esconder a barriguinha de gravidez diante de fotógrafos. A bolsa virou ícone, ganhou o nome da atriz e é objeto de desejo até hoje. Neste mesmo período, Coco Chanel colocou correntes em sua bolsa de mão para tornar o acessório mais prático.

- A Birkin foi feita em 1984 pela Hermes em homenagem à cantora e atriz inglesa Jane Birkin, que queria um modelo prático para suas viagens. Pois é esta bolsa que está saindo do closet de Jane para ser leiloado no eBay em prol das vítimas do tsunami no Japão. 
- Emancipação combina com tomada de espaço, e assim as bolsas foram ocupando mais lugar, e literalmente dobrando seu tamanho e importância monetária. O objeto usado para carregar dinheiro, custa bem mais do que se tem na carteira. É o início da era das It Bags (como as bolsas Chanel): ícones de estilo e alvo frequente de cópias.
Fonte: Gazeta do Povo