A verdade sobre o Victoza, a nova (e controvertida) droga para emagrecer

A droga que promete eliminar até 15 quilos está mobilizando os médicos e provocando uma corrida às farmácias. Mas será que o medicamento é mesmo o novo milagre para perder peso?

O que você faz quando quer se livrar dos quilinhos extras? Para grande parte dos brasileiros (120 milhões de pessoas acima do peso, de acordo com pesquisa de 2010 realizada pelo Vigitel, sistema de pesquisa do Ministério da Saúde), a resposta é: tomar remédios para emagrecer. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenta controlar o consumo desenfreado. Em 2009, foram vendidas cerca de dez toneladas dessas substâncias, segundo dados do próprio órgão, que recentemente proibiu a venda de três medicamentos derivados da anfetamina e criou uma nova regulamentação, mais rígida, para o uso da sibutramina. Agora, porém, os holofotes estão sobre o Victoza, remédio injetável empregado no tratamento de diabetes do tipo 2, cujo princípio ativo, a liraglutida, ajuda a regular a produção dos hormônios insulina e glucagon. O medicamento ganhou destaque depois que, nos estudos com diabéticos, observou-se que os pacientes que usavam a droga para compensar a falta de insulina também perdiam peso e sofriam poucos efeitos colaterais. Desde o ano passado, inventou-se, então, outro uso para o Victoza. Apesar de o remédio ainda estar em fase de testes e não ser aprovado pela Anvisa (e por nenhum outro órgão regulador mundial) como emagrecedor, ele sumiu das prateleiras das farmácias do país. Nem o preço (em média, 370 reais) nem o fato de ser uma droga injetável assustaram os compradores. A seguir, alguns dos principais especialistas do país explicam os prós e contras da novidade.

1. Qual é a promessa do Victoza?
O laboratório Novo Nordisk, fabricante do Victoza, afirma, por meio de nota à imprensa, que o remédio “é usado para tratar diabetes mellitus do tipo 2 quando dieta e exercícios sozinhos não são suficientes para o controle da glicemia”. Não se fala sobre perda de peso, mas endocrinologistas de renome, como Alfredo Halpern, chefe do serviço de endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, garantem esse efeito. “Cerca de 85% dos meus pacientes respondem bem ao medicamento. Desses, um terço perde até 5 quilos em um intervalo de dois a seis meses e o restante elimina entre cinco e 15 quilos no mesmo período”, diz Halpern. Depois do primeiro semestre, o peso tende a estacionar porque o organismo atinge seu limite – nesse ponto, as calorias consumidas se igualam às gastas. “Não existe milagre. Assim como nos medicamentos emagrecedores, para continuar perdendo peso a partir do sexto mês é preciso praticar exercícios e seguir uma dieta equilibrada”, afirma a endocrinologista Rosana Radominski, de Curitiba, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Halpern acredita que o Victoza ajuda no tratamento de obesidade, mas não deve ser cogitado para quem precisa ou quer perder pouco peso (até 4 quilos). Nesse caso, dieta e atividade física ainda são a solução mais saudável.

2. Como ele age no organismo?
O princípio ativo, a liraglutida, imita o hormônio GLP-1, produzido no intestino, responsável pela sensação de saciedade e pela regulação metabólica – sabe-se que diabéticos e obesos produzem pouco GLP-1. A liraglutida circula no organismo por mais tempo e em quantidade maior. “Quando passamos muito tempo sem comer, o pâncreas produz o hormônio glucagon para evitar a hipoglicemia. Quando comemos, libera a insulina para controlar o nível de glicose do sangue”, explica Elcio Gomes, endocrinologista, de Santos (SP). Nos diabéticos, o Victoza regula a ação dessas substâncias. Nos obesos sem diabetes, um estudo liderado por Arne Astrup, chefe do Departamento de Nutrição Humana da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e publicado em 2009 no periódico The Lancet, constatou que a substância aumenta a saciedade, ajudando o ponteiro da balança a despencar. Segundo os especialistas, o efeito emagrecedor deve-se a dois fatores: a impressão de estar satisfeito com pouca comida e os enjoos e diarreias, efeitos colaterais marcantes, sobretudo nos primeiros 15 dias, que auxiliam a diminuir a quantidade de comida ingerida, potencializando, assim, a perda de peso. A ação dura apenas enquanto o remédio é injetado, ou seja, se o paciente não passar por uma reeducação alimentar, tende a comer como antes de tomar o Victoza, readquirindo os quilos perdidos. “Mas ainda não há pesquisas que comprovem se existe, de fato, efeito rebote após a suspensão da medicação”, afirma Rosana Radominski.

3. A liraglutida leva vantagem sobre a sibutramina e outros remédios emagrecedores?
O efeito é o mesmo: prolongar a sensação de saciedade e reduzir a fome, mas cada substância age numa região do organismo. “A sibutramina atua no sistema nervoso central. O Victoza, por sua vez, tem ação no processo digestivo, reduzindo a velocidade com que o estômago se esvazia e estimulando a produção de hormônios intestinais que aumentam a saciedade”, explica Rosana. A sibutramina, assim como outros anorexígenos, pode provocar irritabilidade, insônia e elevação da pressão arterial – o que complica o uso para quem sofre com doenças cardiovasculares. De acordo com o endocrinologista Elcio Gomes, como a liraglutida é muito semelhante a uma substância produzida naturalmente pelo organismo, o risco de haver efeitos colaterais a médio ou longo prazo é menor. O ativo também não interfere na produção de insulina e glucagon em pessoas que não apresentam deficiência na síntese desses hormônios. Isso evitaria a sobrecarga do pâncreas, ainda que, segundo Rosana, dois em cada mil pacientes possam desenvolver pancreatite aguda, que é a inflamação do órgão, como alerta a bula do Victoza. O preço também é um elemento crucial na hora da escolha do remédio. O Victoza sai em desvantagem: uma caixa dura de dez a 30 dias (dependendo da dose utilizada) e custa em média 370 reais. Já uma embalagem com 30 cápsulas de sibutramina, para 30 dias, pode ser encontrada por valores a partir de 25 reais.

4. Como deve ser feita a aplicação?
O Victoza é vendido nas farmácias, sob prescrição médica, em canetas de injeção semelhantes às de insulina. O remédio deve ser aplicado uma vez ao dia, preferencialmente no abdome, podendo ainda ser injetado nas coxas ou na parte de trás do braço. No tratamento de diabetes, a dose varia de 0,6 miligrama até 1,8 miligrama. Nos estudos com liraglutida em obesos não diabéticos, ainda em andamento, estão sendo testadas doses de 3 miligramas – pesquisas demonstraram que os efeitos emagrecedores são dose dependente, ou seja, quanto maior a dose, maior o efeito na redução de peso. Para quem tem medo de agulhas, a notícia é ruim: “A substância é degradada pelo estômago se for ingerida por via oral. Então, não há perspectiva para o lançamento de pílulas”, diz Elcio.

5. Que pesquisas ainda precisam ser realizadas para que o Victoza seja usado com segurança para emagrecer?
“Os estudos para comprovar o efeito do remédio na redução de peso ainda estão em fase inicial e devem demorar mais de um ano para serem concluídos”, afirma a endocrinologista Rosana Radominski. Os voluntários são divididos em dois grupos: um recebe o medicamento e o outro placebo. São monitorados durante a pesquisa perda de peso, estado de saúde e efeitos colaterais. A partir daí, avaliam-se a eficácia e a segurança do remédio. Se os benefícios forem maiores que os riscos, a droga é submetida à aprovação dos órgãos de saúde para a nova finalidade.


Fonte: Cláudia/Abril