Vostok: concluída perfuração do lago ‘alienígena’ na Antártida

A água mais pura da Terra vai começar a jorrar. É que os cientistas russos conseguiram penetrar o lago subterrâneo Vostok, na Antártida, isolado do resto do planeta há pelo menos 14 milhões de anos.

O trabalho de perfuração de mais de 3.600 metros de gelo teria terminado no domingo (5), segundo a agência de notícias russa Ria Novosti. Os cientistas tinham parado a perfuração na semana passada.

A análise do material retirado da água, que permanece em estado líquido por causa do calor do interior do planeta e da pressão do gelo, pode oferecer pistas sobre a vida na Terra há milhões de anos e sobre condições encontradas fora do planeta, como nas luas de Júpiter.

LAGO ‘ALIENÍGENA’

Estima-se que o lago Vostok, mantido em estado líquido pela pressão e pelo calor interno da Terra, esteja isolado do resto do planeta há cerca de 14 milhões de anos.

Daí o interesse por ele: sabe-se lá que criaturas podem ter sobrevivido e prosperado num ambiente tão diferente do que conhecemos na superfície.

Imagina-se que o lago tenha mais semelhança com o ambiente encontrado em Europa, uma das luas de Júpiter, do que com a Terra.

“É tentadora a analogia entre o Vostok e o oceano subsuperficial de Europa”, afirma Eduardo Janot Pacheco, astrônomo do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.

Verificar o que existe vivo no Vostok é uma forma de especular sobre a possibilidade de haver vida em luas geladas como Europa. Isoladas da luz solar, as criaturas que habitam esses ambientes têm de viver dos poucos nutrientes que ali existem.

Os russos têm perfurado o gelo que cobre o Vostok há muito tempo. Mas em 1998, a cem metros de onde começa a água, eles foram obrigados a interromper o trabalho.

A preocupação da comunidade internacional era a de que a perfuração contaminasse o lago com microrganismos de fora, eliminando o potencial para descobertas e prejudicando o ecossistema que pode existir lá.

Só em 2010, após desenvolverem um novo protocolo de segurança, os russos puderam prosseguir.

Na semana passada, a equipe liderada por Valery Lukin reportou a colegas americanos, por e-mail, que estava nos 20 a 30 metros finais. O último contato entre russos e americanos aconteceu na segunda-feira.

Desde então, a equipe antártica vinha se mantendo em silêncio, o que gera apreensão no resto do mundo.

O QUE PODE DAR ERRADO

Há a pequena possibilidade de que a súbita liberação da pressão do lago gere um gêiser gigante. Além disso, os cientistas correm contra o tempo: as perfurações só podem ser feitas durante o verão antártico, que está no fim. No inverno, as temperaturas inviabilizam os trabalhos.

Tudo faz parte de um aprendizado que pode ser útil para explorar recantos inóspitos do Sistema Solar.
“Esse é um grande ensaio técnico para perfurar capas de gelo em Europa”, diz Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em São José dos Campos (SP).

O interesse maior da pesquisa, no entanto, diz respeito à biologia e à evolução da vida. “As formas de vida que estão para ser descobertas se isolaram do mundo há 20 milhões de anos”, afirma. “De lá para cá, como evoluíram? Esses seres serão o paradigma a ser procurado em ambientes extraterrestres.”

SEPARAÇÃO DE CONTINENTES

Hoje, o lago Vostok está sob quase quatro quilômetros de gelo, no interior do continente antártico.
Mas cerca de 65 milhões de anos atrás, quando ele estava na superfície, a configuração dos continentes era bem diferente.

A Antártida estava conectada à Austrália e ainda tinha clima subtropical, com florestas e fauna expressiva.

A separação das duas massas de terra, com o gradual avanço da Antártida para o pólo Sul, levou ao congelamento permanente. Estima-se que a capa de gelo tenha selado o conteúdo do lago Vostok entre 25 milhões e 14 milhões de anos atrás.
“Ou seja, as formas de vida lá existentes evoluíram de maneira independente há mais tempo do que o passado desde que nossos ancestrais desceram das árvores”, diz Eduardo Janot Pacheco, astrônomo da USP.

Dadas as atuais condições ambientais, a existência de criaturas multicelulares sofisticadas no interior do lago é altamente improvável. Imagina-se que ele seja um ambiente dos mais inóspitos, saturado em nitrogênio e oxigênio, com concentrações 50 vezes maiores do que a em lagos típicos da Terra.

Além disso, a falta de luz solar deve levar a uma baixa presença de nutrientes, que limitaria a evolução da vida. Com efeito, é o que torna tudo tão interessante.

De que maneiras os organismos teriam se adaptado a essas condições?

A regra é esperar o inesperado, segundo os cientistas. “Durante a escavação desse túnel de aproximadamente quatro quilômetros de comprimento, já haviam sido descobertos microrganismos, dos quais não sabemos nem mesmo a que reino pertencem”, afirma Janot.

Por isso, os russos se animam com a possibilidade de descobertas que podem mudar completamente o panorama da biologia, tal como é ensinada hoje nas escolas.
Entretanto, para isso ainda será preciso esperar.

Mesmo que os exploradores consigam atingir a água do lago nesta temporada, o recolhimento de amostra para análise só se dará em cerca de um ano.

Fonte: Matéria Incógnita