Agora você pode doar dentes, placenta e cabelos e salvar vidas


Quem disse que só podemos salvar pessoas doando órgãos depois da morte? Partes nossas (dente de leite, placenta e até sangue menstrual!) que vão para o lixo agora poupam vidas e ajudam a ciência a encontrar a cura de diabetes, Parkinson, distrofia muscular... Para esse ato solidário, nem é preciso encarar agulhas, dores ou desconforto.

O chorinho marca o fim da espera. Enquanto a mulher olha para o bebê, o obstetra corta o cordão que a manteve unida ao filho. Corda e placenta, que nutriam o feto, acabam de perder a razão de existir. Numa bandeja metálica, ambos seguem para o lixo. Em 2010, nas salas de parto de todo o país, essa cena se repetiu 2,747 milhões de vezes. Uma pena: o material rejeitado no nascimento desses brasileiros poderia ter merecido destino mais nobre que a incineração, a trituração ou o simples descarte num aterro sanitário hospitalar. No entanto, poucas gestantes que deram à luz naquele ano, e também seus médicos, sabiam que o sangue que circula entre cordão e placenta, quando doado, pode ajudar a tratar 70 doenças graves, graças a sua capacidade de reconstituir células. Sangue e tecidos estão em falta nos laboratórios. Assim também como são escassos dentes, gordura retirada em lipoaspiração e até sangue da menstruação. Os cientistas muitas vezes são obrigados a interromper a busca da cura de males importantes exatamente porque jogamos fora essas partes nossas que carregam as tão cobiçadas células-tronco. “Nós queremos produzir com elas tecidos que, uma vez transplantados, vão gerar um novo órgão no corpo”, diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da USP.

Embora menos versáteis que as embrionárias (que se transformam em qualquer um dos 216 tecidos humanos), células-tronco obtidas com esses materiais descartados podem regenerar músculos, ossos, tendões, cartilagens, vasos sanguíneos e até neurônios. Com a vantagem de não causarem tantos conflitos éticos quanto a manipulação de embriões para obtenção das células-tronco. Quanto mais rápido se cumprir o prognóstico de Lygia, maior será a possibilidade de acabar com a fila de espera para o transplante, e muita gente será salva. As doações sugeridas nesta reportagem são fáceis e indolores. Veja como participar:

Placenta e cordão umbilical
Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina fazem testes para gerar fibras cardíacas e nervosas. Em 2009, as células-tronco de cordão e placenta também foram empregadas em experimentos com pacientes com esclerose múltipla. Já há uma vitória concreta: o sangue que circula neles é uma alternativa ao transplante de medula óssea em casos de leucemias, linfomas, anemias e imunodeficiências congênitas, sobretudo em crianças e adolescentes. Em 2004, foi criada a BrasilCord, rede nacional de bancos desse tipo de sangue, sob a coordenação do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Ela tem capacidade de armazenar 65 mil bolsas em unidades espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará, Pará, Pernambuco e, até o fim deste ano, Minas Gerais.
Para doar A mulher deve ter entre 18 e 36 anos e mais de 35 semanas de gestação na hora da coleta, feita em parto normal ou cesárea. Ela terá que assinar um termo de consentimento para a pesquisa. Precisa passar por pelo menos duas consultas no pré-natal e preencher ficha sobre sua saúde: não pode ter histórico de câncer ou anemia hereditária. Vários hospitais estão credenciados para a coleta. Para saber quais, entre no site cancer.org.br/projetos-brasilcord.phpcancer.org.br/projetos-brasilcord.php. Ao ver o mapa, clique no seu estado e procure a maternidade mais próxima.

Dentes de leite
A polpa dos dentinhos que a criança troca entre 6 e 12 anos é ótima fonte de célulastronco. Testes com animais no Centro de Estudos do Genoma Humano da USP demonstraram a capacidade de regenerar ossos. Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da mesma universidade, o interesse é reconstituir neurônios para o tratamento de autismo. Já uma parceria entre Unifesp e Instituto Butantan refaz a superfície ocular. Nos cursos de odontologia da USP e de ciências da saúde da UnB, o alvo é reconstruir o tecido dentário, o que inovaria o tratamento de cáries.
Para doar - Quando o dente da criança amolecer, informe ao Projeto A Fada do Dente, da USP (projetoafadadodente@yahoo.com.br). Os cientistas mandam um tubinho com líquido para preservar o dente, após a queda, e esperam recebê-lo em 24 horas. A Faculdade de Odontologia (tel. 11/3091 7905), também da USP, além desses, aceita os que ficaram guardados por mais tempo, permanentes e do siso. O material, postado no correio, pode seguir ainda para a Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (secretaria1.eap@apcdcentral.com.br).

Sangue menstrual
Ele pode se diferenciar em músculos, gordura, cartilagem e osso. As células-tronco encontradas nesse material (mesenquimais) foram reprogramadas, na UFRJ, para gerar células do coração, que serão destinadas a pacientes com arritmia cardíaca rara. Testes com animais mostraram que elas tratam infarto, acidente vascular cerebral, distrofia muscular, diabetes tipo 1, esclerose múltipla, traumas na medula espinhal e doenças degenerativas do fígado. A professora Regina Coeli Goldenberg, dessa equipe, afirma que o material tem baixas taxas de rejeição.
Para doar - No primeiro ou segundo dia da menstruação, coloque na vagina um coletor menstrual de silicone, em forma de taça, lavável e reutilizável. Duas horas depois transfira o sangue para um pote com medicação fornecida pelo Centro de Estudos do Genoma Humano, que envia também o coletor. Entre 5 e 7 mililitros bastam: o material, mantido na geladeira e recolhido por motoboys, tem de ser processado em até 24 horas. Por isso, as doadoras devem morar em São Paulo. Informações: genoma@ib.usp.br ou pelo tel. (11) 3091 7966.

Gordura
O tecido retirado na lipoaspiração contém células mesenquimais. Está na mira do professor Radovan Borojevic, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, que pretende recuperar ossos fraturados. Há também esperança de que essas células-tronco evitem amputações em diabéticos e refaçam áreas do coração danificadas por infarto. Segundo a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, o tecido adiposo poderá recompor músculos e tratar a incurável distrofia de Duchenne, que leva à fraqueza progressiva e à limitação severa dos movimentos. Os testes em camundongos são animadores.
Para doar - Antes de fazer a lipo, procure o Centro (tel. 11/ 3091 7966 ou genoma@ib.usp.br). Os pesquisadores vão ensinar seu médico a guardar a gordura.

Cabelos também
Não é para pesquisa. As mechas restauram a autoestima de mulheres que ficam total ou parcialmente carecas. Quando for ao salão, não deixe a vassoura levar seu cabelo. A ONG paraense ribeirinhos Vítimas de Acidentes de Motor (Orvam) ensina mulheres que sofreram escalpelamento a fazer perucas. o problema acontece em barcos pequenos, usados no transporte coletivo na imensa região amazônica. o cabelo solto das passageiras se prende ao eixo do motor, que arranca o couro cabeludo. “A doação ameniza os traumas”, diz a fundadora da entidade, a assistente social Maria Cristina de Jesus. “Perucas sintéticas ferem a cabeça das meninas.” os fios devem ter no mínimo 15 centímetros. Amarre-os, secos, num rabo. Corte, embale em plástico e envie para: Av. João Paulo II, Lote 134, CEP 66645-240, Belém. Tel. (91) 3231 1177, site: orvam.org.br.

Fonte: Cláudia/Abril