Será o universo uma simulação? A idéia de que fazemos parte
de um mundo artificial, criado por algo bem maior que nós, já foi objeto de
discussão de filósofos como Platão e Descartes, por exemplo.
Platão criou o mito da caverna. Segundo ele, o nosso próprio
mundo seria uma sombra, uma projeção de um mundo perfeito, que poderia ser
alcançado pelo pensamento.
Descartes fez a pergunta “e se tudo que a gente vê e sente
forem sensações criadas por algum demônio?”.
Com isso, ele nos convida a
desconfiar dos sentidos, e chega à máxima “Cogito ergo sum” (“Penso, logo
existo”), querendo dizer que ele é real por que o pensamento dele é real
também.
Algumas características do nosso universo levam as
pessoas a se perguntarem o que há de real nesta hipótese de um mundo
“simulado”.
Por exemplo, o princípio antrópico, que diz que o universo é
feito de maneira tal que a vida possa existir, é uma das coisas que nos fazem
pensar em uma simulação de computador.
Simulando nosso
universo
Nós mesmos já fizemos simulações do universo – fazemos isto
para entender sua história e funcionamento, e tentar adivinhar o seu futuro.
Pense na Simulação Bolshoi, que replica os 13,75 bilhões de anos do
universo, por exemplo. Essa simulação tem um problema: sua escala é muito
grande, cada partícula de matéria escura nela tem a massa de
200 milhões de sóis, e só assim para simular um cubo de 1 bilhão de anos-luz de
lado durante toda a idade do universo, começando 24 milhões de anos após o
início do Big Bang.
A simulação que melhor imita a natureza é a simulação da
teoria da cromodinâmica quântica (TCQ). A TCQ explica como funciona a força
nuclear forte, como quarks e glúons são ligados para formar prótons e nêutrons,
e como estes formam núcleos que interagem entre si. É o que tem de mais
fundamental no universo.
Mas as simulações mais perfeitas que conseguimos fazer de
TCQ, mesmo usando os mais poderosos computadores disponíveis hoje, são de
mundos muito pequenos, de alguns femtômetros (um femtômetro tem
0,000 000 000 000 001 metros), insuficiente para simular
uma simples célula.
Se conseguíssemos ampliar a simulação para alguns
micrômetros (0,000 001 metros ou um milhão de vezes maior que um
femtômetro), poderíamos simular uma célula humana com tudo que tem no seu
citoplasma, núcleo e membranas. É só usar um computador capaz de simular um
mundo mil septilhões (1027, um milhão maior para cada dimensão do
espaço) maior.
Descobrindo a
simulação
Se o nosso universo for realmente uma
simulação numérica feita em um computador insanamente poderoso, ainda
assim devem haver pistas que revelariam a verdade, limitações inerentes às
simulações, ou “falhas na Matrix”.
Se examinássemos o universo com cuidado, encontraríamos
estas falhas. É nisto que estão apostando os cientistas liderados por Silas
Beane, da Universidade de Bonn na Alemanha. Segundo eles, para simular um
universo, ele tem que ser representado com um conjunto de pontos que se movem
em um espaço 3D e no tempo. Se o nosso universo for uma simulação, sua grade
deve ser perceptível em alguma ordem de grandeza. Se você for examinando coisas
cada vez menores, deve chegar a um ponto em que não haverá nada menor, por que
já chegamos ao tamanho da grade.
Analisando o que já conhecemos de física, sabemos que
processos de alta energia penetram dimensões cada vez menores conforme ficam
mais energéticos. Mas dentro de uma simulação, nada pode ser menor que a grade
em que ela está rodando, então deve haver um limite máximo para a energia das
partículas para que elas não fiquem menores que a grade da simulação.
E existe um limite máximo no espectro de partículas de alta
energia, chamado de limite Greisen-Zatsepin-Kuzmin ou limite GZK, o que é um
indício da existência da grade. Pelo valor do limite GZK, esta grade teria
pontos distantes em 10-12 femtômetros – um próton tem 1
femtômetro. Isto significa que não há nada para ver a distâncias menores que
esta.
Mas se existe uma grade, devem existir outros fenômenos
influenciados por ela. Um dos fenômenos apontados seria a tendência dos raios
cósmicos de viajar seguindo os eixos desta grade. O resultado seria que
veríamos mais raios cósmicos vindo de direções que coincidam com os eixos da
grade, ou seja, a distribuição estatística da direção dos raios cósmicos
serviria para encontrar a orientação da grade.
Esta é uma medida que podemos fazer com a tecnologia que já
possuímos. Mas se as medições feitas com esta tecnologia não encontrarem uma
grade, não significa que ela não esteja lá; pode ser que seja tão complexa que
não possamos sequer imaginar como ela é. E mesmo que encontremos uma grade,
isto também não significa que vivemos em uma simulação, já que ela poderia ser
o resultado de alguma lei da natureza que ainda não conhecemos.
O primeiro texto,
“NÓS ESTAMOS VIVENDO NA MATRIX”, é de 21/01/2008, saiu no Globo Infotec e tem
como autor André Machado. Trata de uma tese do cientista Brian Whitworth da Nova Zelândia que preconiza que se o
Universo, todo ele, fosse virtual, todas as questões físicas atualmente sem
solução ou conexão seriam explicadas.
O segundo texto,
“VIVENDO NA MATRIX”, ou ‘nossas vidas controladas do sofá de alguém’, encontrei
no site http://rbaba.wordpress.com/2007/08/20/vivendo-na-matrix/, é de autoria de John
Tierney, colunista do The New York Times, datado de
14/agosto. Trata do mesmo tema, porém com as idéias do filósofo de Oxford
de ’nome estranho’ para quem é da língua portuguesa do Brasil: Nick Bostrom (site:http://www.nickbostrom.com/). Suas idéias são um pouco mais
radicais, se isso for possível, propõe que estamos vivendo num mundo
simulado e também nos faz lembrar do SecondLife.
NÓS ESTAMOS VIVENDO NA MATRIX (André Machado)
O universo é uma grande Matrix, e o Big Bang, que criou o
cosmo junto com o tempo e o espaço, foi na verdade a inicialização de uma
realidade virtual que já dura 15 bilhões de anos. Essa é a tese de Brian
Whitworth, cientista do centro de matemática e computação teórica da Universidade
de Massey, em Auckland, na Nova Zelândia. Pela primeira vez, um cientista
propõe que a realidade em que vivemos pode não ser objetiva, mas uma realidade
criada pelo processamento de informação. Whitworth defende que, para resolver
um monte de dilemas da física moderna, é preciso juntar a seus postulados os da
ciência da computação e dos sistemas de informação.
O cientista começa lembrando que a física tem algumas leis
estranhíssimas — mas todas comprovadas por experimentos e equações. E a física
“macro”, das coisas observáveis, não se coaduna com a física “micro”, da
mecânica quântica, em que acontecem coisas do arco da velha. Senão vejamos — as
partículas quânticas são capazes de se “teleportar”, aparecendo de repente do
outro lado de uma barreira, e podem interagir simultaneamente quando induzidas
ao “emaranhamento quântico”, de modo que se uma partícula fica num estado a sua
“gêmea” ficará no mesmo estado, ainda que esteja em outro planeta. Já na física
da relatividade, a velocidade da luz não muda, sendo absoluta, enquanto a
gravidade pode curvar o espaço e o tempo.
A reconciliação de contradições na física. Além disso, a teoria do Big Bang diz
que antes do universo não havia nada — nem espaço, nem tempo. Mas seria
possível o cosmo surgir de lugar nenhum e em tempo nenhum? Para Brian, a
aceitação de que vivemos uma realidade virtual, não objetiva — que, na verdade
nos parece bem palpável justamente porque fazemos parte dela — resolveria todos
esses problemas da física.
Primeiro, a ideia de um Big Bang (um grande boot)
faria sentido, e não haveria nenhum problema se nada existisse antes, “porque
antes não haveria, mesmo, tempo ou espaço da forma como definidos por esse
universo virtual”, da mesma maneira que antes de um computador se iniciar nada
há. Depois, esse universo virtual andaria de mãos dadas com todo tipo de
cálculo, como quer a física — afinal, o processamento da informação seria sua
própria razão de existir. E, por fim, ele seria capaz de unificar as confusas
teorias físicas.
“A teoria de uma realidade virtual poderia reconciliar a
contradição entre a relatividade e a teoria quântica”, escreve Brian. “A
primeira mostraria como o processamento da informação cria o espaço e o tempo,
e a segunda mostraria como, através do mesmo processamento, seriam criados
energia, matéria e carga”. A famosa equação de Albert Einstein de transformação
de matéria em energia seria simplesmente a informação indo de uma forma a
outra…
Embora cite o filme “Matrix” na tese, Brian explica que ela não representa sua
idéia do universo virtual, já que no filme a realidade simulada existe dentro
de um mundo físico. O que ele propõe é muito mais radical: que tudo o que
existe seria fruto de um processamento externo. “Nosso próprio ato de observar
o mundo poderia criá-lo”, diz. Assim como, na tela do computador, à medida que
andamos por um mundo virtual ou game, o PC vai calculando a parte do mundo que
estamos vendo e a exibe, no universo virtual isso também acontece, só que em
três dimensões e e dentro de nossa noção (programada! como nossas sensações,
aliás) de espaço e tempo.
A questão é que a “interface” em que vivemos é diferente de
qualquer outra — afinal, não somos feitos de pixels (será que não?) e
experimentamos tudo de dentro. Isto é, se formos os reais jogadores. Mas essa é
outra história.
VIVENDO NA MATRIX (John Tierney)
Antes de conversar com Nick Bostrom, um filósofo da
Universidade de Oxford, nunca me ocorreu que nosso universo pode ser o hobby de
alguém. Eu nunca imaginei que o onisciente e onipotente criador do paraíso e da
terra poderia ser uma versão avançada de um cara que passa seus fins de semana
construindo modelos de ferrovias ou desenvolvendo jogos como The Sims.
Mas agora isso parece perfeitamente possível. Aliás, se você
aceitar uma presunção perfeitamente aceitável do Dr. Bostrom, é quase
matematicamente certo que nós vivemos na simulação do computador de alguém.
A simulação seria parecida com a do “The Matrix”, onde os
humanos não percebem que suas vidas e seus mundos são apenas ilusões criadas em
seus cérebros enquanto seus corpos são suspensos em compartimentos líquidos.
Mas na percepção da realidade do Dr. Bostrom, você não iria ter nem mesmo
um corpo feito de carne. Seu cérebro apenas existiria em uma rede de circuitos
de computadores.
Você não poderia, como em “The matrix”, desplugar seu
cérebro e escapar de seu compartimento para ver o mundo físico. Você não
poderia desvendar a ilusão a não ser que você use a lógica empregada pelo Dr.
Bostrom, diretor do “Future of Humanity Institute” em Oxford.
Dr. Bostrom assume que avanços tecnológicos poderiam produzir
um computador com mais poder de processamento que os cérebros no mundo, e que
os avanços da humanidade, ou “pós-humanos”, poderiam rodar “simulações
ancestrais” de sua história evolucionária criando mundo habitados por pessoas
virtuais com desenvolvimento completo do sistema nervoso.
Alguns experts em computação projetaram baseados na evolução
de poder de processamento, que nós vamos ter tais computadores até o meio do
século, mas isso não importa ao argumento do Dr. Bostrom quer isso leve outros
50 ou 5 milhões de anos. Se a civilização sobreviveu o suficiente para alcançar
este estágio, e se os “pós-humanos” estarem rodando várias simulações para
propósitos de pesquisa ou entretenimento, então o número de ancestrais virtuais
que eles criaram seria vastamente maior que o número de ancestrais de verdade.
Não haveria como nenhum desses ancestrais soubesse com
certeza se são virtuais ou reais, pois as visões e sentimentos que eles
experienciam seriam indistinguíveis. Mas já que haverá tantos mais ancestrais
virtuais, qualquer indivíduo poderia chegar a conclusão de que as
probabilidades dizem quase que certamente que ele ou ela está vivendo em um
mundo virtual.
A matemática e a lógica são inexoráveis se assumir-mos que
muitas simulações estão sendo rodadas. Mas há duas hipóteses alternativas,
segundo o Dr. Bostrom. Uma é que a civilização nunca chegou a tal tecnologia
que possa rodar simulações (talvez até porque ela iria se autodestruir antes de
chegar a este estágio). A outra hipótese é a de que os pós-humanos decidirão
não rodar tais simulações.
“Este tipo de pós-humano pode ter outro tipo de
divertimento, como simular seus centros de prazer diretamente,” diz Dr.
Bostrom. “Talvez eles não necessitem rodar simulações para razões científicas
pois eles teriam metodologias melhores para entender seu passado. É muito
possível que eles tenham proibições morais contra a simulação de pessoas,
apesar de que o fato de algo ser imoral não significa que ele não acontecerá.”
Dr. Bostrom não tenta dizer qual das hipóteses é a mais
provável, mas ele acha que nenhuma deve ser descartada. “Minha intuição, e nada
mais que isso,” diz ele, “é de que há 20% de chance de nós estarmos vivendo em
uma simulação computacional.”
Minha intuição é que as chances são mais de 20%, talvez mais
do que isso. Eu penso que é altamente provável que a civilização pode chegar a
produção desse tipo de supercomputador. E se os donos dos computadores fossem
como as milhões de pessoas imersas no mundo virtual como Second Life, SimCity e
World of Warcraft, eles estariam rodando simulações apenas pela chance de
controlar a história – ou talvez dar a eles papéis virtuais como Cleópatra ou
Napoleão.
É desconfortante pensar que o mundo está sendo rodado por um
Geek do futuro, apesar de que nós possamos descartar aquela questão teológica
clássica: “Como deus pôde permitir tanto mal no mundo?”.
Pela mesma razão que
existem pragas e terremoto e batalhas em jogos como World of Warcraft. Cara, a
paz é chata.
Uma questão mais pratica é como se comportar em uma
simulação. Seu primeiro impulso seria dizer que nada mais importa pois nada é
real. Mas apenas porque seus circuitos neurais são feitos de silicone (ou
qualquer tipo de material que os supercomputadores usem) ao invés de carbono,
isso não faz com que seus sentimentos e percepção sejam menos reais.
David J. Chalmers, um filósofo da Australian National
University, diz que a hipótese do Dr. Bostrom não é uma causa para ceticismo,
mas simplesmente uma explicação metafísica diferente para o nosso mundo.
Qualquer coisa que você está tocando agora – uma folha de papel, um teclado,
uma caneca de café – é real pra você mesmo se foi criada num circuito de
computador ao invés dos velhos conhecidos madeira e plástico.
Você ainda tem o desejo de viver o mais possível nesse mundo
virtual – e em qualquer simulação pós-vida que o designer deste mundo lhe der.
Talvez isso signifique seguir princípios morais tradicionais, se você pensar
que o designer pós-humano compartilha dessas morais e lhe recompensaria por ser
uma boa pessoa.
Ou talvez, sugerido por Robin Hanson, um economista da
George Manson University, você deveria tentar ser o mais interessante possível,
na teoria de que o designer provavelmente lhe manterá por perto para sua próxima
simulação. (Para mais estratégias de sobrevivência num mundo simulado,
http://www.nytimes.com/tierneylab)
Obviamente, é difícil adivinhar como seria a personalidade
do designer. Ele ou ela poderia ter um corpo de carne ou plástico, mas o
designer pode também ser um ser virtual vivendo dentro de um computador de uma
mais avançada forma de inteligência. Poderia haver camadas sobre camadas de
simulações até que você finalmente chegue a arquitetura da primeira simulação –
vamos chamá-lo de Prime Designer.
Então novamente, o Prime Designer não permitiria que suas
criações começassem a simular seus próprios mundos. Uma vez que eles se
tornassem espertos o suficiente para isso, eles iriam presumidamente perceber,
pela lógica do Dr. Bostrom, que eles mesmos seriam simulações. Iria isso
atrapalhar a diversão do Prime Designer?
Se as simulações parassem uma vez que os habitantes
percebessem o que esta se passando, então eu realmente não deveria espalhar as
idéias do Dr. Bostrom. Mas se você ainda está por aí lendo isso, eu acho que o
Prime Designer é razoavelmente tolerante, ou até mesmo curioso para ver como
nós reagimos uma vez que estamos começando a entender a situação.
É possível também que haveria um problema logístico em se
criar camadas sobre camadas de simulações. Não haveria tamanho poder computacional
para continuar a simulação se bilhões de habitantes do mundo virtual começassem
a criar seus próprios mundos virtuais com bilhões de habitantes cada.
Se isso for verdade, é má noticia para os futuristas que
pensam que nós teremos um computador neste século com o poder de simular todos
os habitantes da terra. Nós iríamos começar a simulação, esperando para
observar um mundo virtual novo, mas ao invés disso nosso próprio mundo poderia
terminar – não com um Bang, não com uma explosão, mas como uma mensagem no
computador do Prime Designer.
Poderia ser algo tosco como “Memória Insuficiente para
Continuar a Simulação.” Mas eu acredito que seria mais simples e familiar:
“Game Over.”