O que era para ser apenas uma ação de marketing para chamar
atenção se transformou em tragédia. Em Leon, uma cidade no interior do México,
durante uma festa organizada pela marca de bebida alcoólica alemã Jagermeister,
oito jovens foram hospitalizados e um entrou em coma após os organizadores
jogarem quatro barris de nitrogênio líquido na piscina, a fim de causar efeito
de névoa.
O jovem que ainda se encontra em coma é José Ignacio López
del Toro, de 21 anos, sobrinho do cineasta mexicano Guillermo del Toro.
No momento em que os barris são jogados, uma nuvem branca
cobre todos que estavam na piscina, a uma altura de quase um metro. Em
segundos, aqueles que estavam nadando começam a passar mal e muitos desmaiam.
Ao perceberem, os colegas que ficaram do lado de fora fazem o socorro.
A “sacada” de marketing remetia ao drinks preparados com
nitrogênio líquido misturado, comumente, ao Jagermeister. Em outubro do ano
passado, a britânica Gaby Scanlon, de 18 anos, teve o estômago perfurado (e
retirado após cirurgia) depois de tomar dois “Nitro Jagermeister” em uma boate
em Lancaster, no noroeste do país.
Após o caso, muitas teorias sobre o que teria acontecido com
os jovens surgiram, inclusive a sugestão de que o nitrogênio teria reagido com
o cloro e formado tricloreto de nitrogênio, substância tóxico utilizada em
bombas de gás lacrimogêneo. A hipótese é descartada pelo professor do
Departamento de Química da Universidade de São Paulo, Paulo Sérgio Santos.
Ele explica que o nitrogênio é um gás muito pouco reativo e
sua ligação com o cloro é difícil de se fazer até em laboratórios. “A reação
forma um gás altamente explosivo. Dos primeiros químicos que tentaram fazer
essa reação um perdeu a vista e o outro perdeu a mão. Em condições normais, são
quimicamente inertes, ou seja, não há reação.”
Segundo Santos, a explicação mais viável é também a mais
simples. O nitrogênio líquido para se manter neste estado é fechado em
reservatórios isolados que o mantém a uma temperatura de 200 graus Celsius
negativo. Por isso, é usado para a conservação de sêmen em inseminação artificial
e por chefs na cozinha, para se fazer sorvete, por exemplo.
Quando aberto o recipiente, o nitrogênio começa
imediatamente a evaporar (seu ponto de ebulição é -196°C), daí o efeito de
“névoa”. “Em contato com a água da piscina, que provavelmente estava em torno
de 20 graus, o nitrogênio evaporou e se expandiu com violência e, como estava
em grande quantidade, expulsou todo o oxigênio do local, causando asfixia”,
explica o professor.
O nitrogênio não é considerado tóxico, apenas um gás
“asfixiante”. O efeito, explica, é o mesmo que se colocar uma pessoa em um
ambiente totalmente fechado, em algum momento ela vai consumir todo o oxigênio
presente no ar. “Seria o mesmo que não respirar, se ela respirar (no caso da
festa na piscina) ela vai respirar apenas nitrogênio.” A ausência de oxigênio
no sangue por não muito mais que um minuto, em média, pode gerar problemas
graves.
Em contato com a pele, o nitrogênio líquido pode provocar
graves queimaduras em razão da sua baixíssima temperatura. “Imagine cobrir o
braço de alguém com um líquido a 200 graus negativos. Isso geraria uma
contração violenta dos vasos sanguíneos”, diz Santos, o que explica as
queimaduras no estômago da britânica após ingerir a substância. E faz um
alerta: “O nitrogênio líquido não é uma substância que possa ser manipulada por
uma pessoa não treinada”.
Para ele, uma alternativa que produziria o mesmo efeito, sem
gerar os mesmos danos e que poderia ser manejada por pessoas sem qualificação é
o gelo seco, formado por gás carbônico resfriado a -78°C. “Como está em estado
sólido, ele vai sublimar (mudança direta do estado sólido para gasoso) e isso é
um processo mais lento e menos abrupto.”