Mexer com uma mulher que passa pela rua e fazer uma cantada,
para alguns homens pode não ser nada de mais, mas é considerada uma ofensa contra
as mulheres, segundo pesquisa. Já não é de hoje que as mulheres andam de cabeça
baixa e escolhem a dedo o que vão vestir para se desvencilhar de assédios
verbais, físicos e morais dos homens.
Andar em espaços públicos passou a ser um desafio para quem
tem na ponta língua uma história desagradável para contar - ou, pelo menos,
conhece uma amiga que já tenha passado por algo constrangedor.
Para provar que certas cantadas não são nenhum pouco
bem-vindas e que o assunto merece atenção urgente, a jornalista Karin Hueck fez
uma pesquisa online com quase oito mil mulheres, desde as adolescentes (com
menos de 15 anos), até as mais maduras (com mais de 40 anos. Os dados foram
divulgados pelo site "Olga", como parte da campanha "Chega de
Fiu Fiu", uma iniciativa contra o assédio sexual em espaços públicos.
Do total, 99,6% das mulheres revelaram já receberam cantadas na
rua (98%), no transporte público (64%), no trabalho (33%), na balada (77%) e em
lugares públicos, como parques, shoppings e cinemas (80%). Entre as cantadas
estão linda (84%), gostosa (83%), delícia (78%), fiu fiu (73%), princesa (71%),
Nossa senhora (64%), ô lá em casa (62%), boneca (47%), vem cá, vem (44%), te
pegava toda (36%) e te chupava toda (36%).
Das entrevistadas, 85% revelaram já terem sido tocadas pelo
sexo oposto nos peitos (17%), bunda (73%), cintura (46%), no meio das pernas
(14%) e em outros locais (4%). As mulheres que não atenderem às cantadas
masculinas (68%) foram chamadas de metidas (45%), barangas (16%), gordas (13%),
feias (23%), mal-comidas (25%), e outros xingamentos (17%).
Das quase oito mil entrevistadas, somente 17% definem a cantada como
algo legal. As que não gostam (83%) tentam usar artifícios para fugir delas,
como trocar de roupa antes de sair de casa (90%) ou evitar ir a algum lugar,
passar na frente de uma obra ou sair a pé (81%).
Karin falou sobre a pesquisa na Revista Época: "O
assediador parte de um princípio: o corpo da mulher é visto como público, algo
sobre o qual se pode opinar e, por que não, do qual pode se servir à
vontade."
Além de responder à pesquisa, as mulheres podem descrever a
situação que viveram. Selecionamos três dessas histórias:
"Eu tinha uns 11 anos. Era carnaval, as ruas cheias. Eu
era uma criança. Lembro que estava de shorts não muito curto e uma camiseta. Um
homem passou a mão em mim e acariciou meu cabelo dizendo: "Fooooofa"
mostrando a língua depois."
"Um cara de bicicleta invadiu a calçada na qual eu
caminhava tranquilamente, à noite, e passou a mão nos meus seios."
"Estava andando despreocupada, com fones de ouvido.
Eram 17 horas e a rua estava bem movimentada, inclusive com vários pedestres
fazendo caminhada. Um homem de moto diminui a velocidade ao passar por mim e
enfiou a mão no meio das minhas pernas, de uma forma totalmente brutal. Fiquei
assustada e o xinguei. Demorei uma semana para esquecer a sensação daquela mão
no meio das minhas pernas."
A jornalista responsável pelo levantamento pensa que as
mulheres se calam diante de situações como essas, porque se sentem culpadas
pelo assédio. "Não raro, quando sofremos uma agressão dessas, pensamos:
‘como eu estava vestida?’. Como se isso fosse uma justificativa. Como se isso
importasse. Esse raciocínio já é uma forma de violência. É a velha cultura do
estupro, absorvida pelas próprias mulheres: ‘ela mereceu", desabafa.
Fonte: Vila
Mulher por Juliana Falcão (MBPress)