Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem. Pra muita
gente, é bem mais que isso. Quem tem cão costuma tratar os bichos como
filhos e tenta educá-los da melhor maneira possível. O problema é que, às
vezes, alguns erros dos humanos passam despercebidos e acabam por atrapalhar
bastante o desenvolvimento dos animais. Entrevistamos Rodrigo Caldarelli,
zootecnista e adestrador da franquia especializada Cão Cidadão, para
levantar quais são os principais erros que os donos cometem na hora de cuidar
de seus cachorros. Antes de revelar o que descobrimos, vale lembrar que
comportamento canino não é uma ciência exata e, no fim das contas, cada
cachorro é único. Se essa lista não ajudar no seu caso, procure um profissional
da área.
1. Deixar o cachorro puxar a guia durante o passeio
Cena clássica de filme: o cachorro na coleira sai arrastando
o dono desesperado, que acaba trombando na mocinha, dando início a um romance.
Se no filme a cena é divertida, na vida real não é bem assim – e a culpa de ser
arrastado é do próprio dono. “O dono, sem querer, ensina que é puxando que o
cão tem acesso à arvore, a outra pessoa ou a outro cachorro. O cachorro
trabalha muito com associação: se eu puxo e chego em tudo que eu quero, então
eu vou continuar puxando”, explica Rodrigo.
Como evitar o problema: Você precisa ensinar o
cachorro a andar com a coleira frouxa. “O cão deve entender que, com a guia
curta, esticada, ele não vai ter acesso a nada”, diz o especialista. Caldarelli
dá alguns exemplos: se o cachorro começar a puxar muito para chegar até uma
árvore, você para até a guia ficar frouxa novamente. Aí você caminha em direção
a árvore. Se o cachorro voltar a puxar, você para de novo e repete o processo
até chegar à árvore com a guia frouxa – isso ajuda o cão a entender que ele não
precisa te puxar para chegar onde quer. “Andar em zigue zague também é uma boa
ideia. Assim, o cão começa a prestar atenção no dono e no lado que ele está
indo”, completa Rodrigo.
Mas é preciso tomar cuidado para fazer tudo isso sem força,
para não esganar o cachorro. “Quando o bicho fizer da forma correta, você pode
recompensá-lo com um brinquedo ou carinho”, explica.
2. Começar o adestramento só depois que os filhotes
completam 6 meses
Alguns veterinários e praticantes de um modelo mais
tradicional de adestramento recomendam que você só inicie a educação dos
filhotes a partir dos seis meses. Acontece que o cachorro já começa a aprender
desde que nasce. “No início, a melhor instrutora é a mãe dele. Mas no momento
em que ele chega à sua casa, o cãozinho já está aprendendo. Dos 2 aos 4 meses,
inclusive, é o momento em que o cachorro mais aprende e grava associações”,
explica o adestrador.
A ideia de muitos donos de só adestrar depois dos 6 meses
pode fazer com que o filhote pegue muitos vícios, como roer móveis ou latir
muito se ficar sozinho. Depois, fica mais difícil de corrigir esse
comportamento errado.
Como evitar o problema: “Se você quer um
cachorro mais educado e sem vícios de comportamento errado, uma boa ideia é
iniciar o adestramento nesse período entre 2 a 4 meses, logo que o filhote
chegar” afirma Caldarelli. Com um cachorro tão novinho, usa-se o método do
adestramento inteligente, com reforço positivo, estímulo de bons comportamentos
e associações positivas.
3. Esfregar o focinho do cachorro no xixi e cocô
Essa técnica vem do adestramento tradicional. Apesar de
parecer meio absurda, é muito usada, principalmente porque funciona com alguns
cachorros de temperamento forte, que não se intimidam com broncas. “Mas na
maioria das vezes não dá certo”, comenta o especialista. Segundo Rodrigo, ao
ouvir bronca por fazerem as necessidades no lugar errado, alguns cachorros vão
ficar com medo do dono. E, na próxima vez, vão fazer no lugar errado do mesmo
jeito, mas escondido. Ou pior: o cachorro pode entender a bronca como uma forma
de atenção que o dono dá para ele: “O cachorro pensa: ‘quando eu faço no lugar
certo ninguém olha para mim. Mas, quando faço no lugar errado, chamo atenção’,
então passa a valorizar a bronca”, analisa.
Como evitar o problema: Toda vez que o
cachorro fizer xixi no lugar certo, é preciso recompensá-lo. Além do instinto,
que o atrai a fazer no mesmo lugar pelo cheiro, ele cria uma associação
positiva, já que ganhou uma coisa por fazer xixi onde o dono quer. “Além de
recompensar o acerto, é necessário ignorar completamente o erro. Não fale, não
olhe, não limpe na frente dele. Deixe o cão em outro cômodo enquanto limpa a
bagunça”, sugere Rodrigo.
O adestrador também ensinou técnicas de como treinar o
cachorro a fazer as necessidades no lugar certo. Para o cachorro que acabou de
chegar, pode ir liberando a casa ao poucos. Mantenha o pet em um só cômodo,
como a área de serviço, com o lugar 80% coberto de jornal. Com o tempo, ele vai
se acostumando a fazer no jornal e você vai diminuindo a área coberta. Para
quem não quer manter o cachorro fechado, o especialista sugere acompanhar os
horários em que o cachorro está mais propenso a fazer xixi e cocô, ou seja, 15
a 30 minutos depois das refeições. Perto desses horários, você pode deixá-lo no
ambiente que tenha a fralda ou jornal. Quando ele fizer no lugar certo, faça
festa, comemore, dê algum petisco.
4. Dar comida na hora do (seu) almoço ou janta
O dono se senta à mesa para comer e o cachorro segue um
ritual: late, pula, fica embaixo da mesa, lambendo e fazendo aquela cara
irresistível. Para acalmá-lo, você dá um osso ou o resto de alguma comida. “Se
o cachorro está com comportamento errado e você recompensa com o osso, ele
entende que com esse comportamento errado, ele ganha”, alerta Rodrigo. O
adestrador lembra que no começo todo mundo fica empolgado com o cão e quer
agradá-lo, mas com isso, acaba ensinando comportamentos errados que incomodam
muito depois.
Como evitar o problema: Se o seu cachorro ainda
é filhote, ele ainda não aprendeu a fazer errado. Se o pet ficar quieto ou
entretido com algum brinquedo enquanto você come, tudo bem dar alguma coisa
para ele. Se já for um cão com esse comportamento errado, dê uma bronca e mande
ele sentar ou deitar. Se ele ficar quieto e parar de incomodar, você dá algum
petisco.
5. Ensinar o cachorro a ficar inseguro por causa da
chuva, do veterinário ou da hora do banho
Todo mundo sabe que cachorros costumam ter medo de trovão ou
fogos de artifício. Mas se na hora do barulho o dono faz drama, coloca o cão no
colo, reforça o receio do filhote, isso só vai aumentar o medo dele. “O
cachorro vai entender que se o dono tem que proteger ele daquilo, a ameaça é
muito maior do que de fato precisa ser”, comenta Rodrigo. A mesma coisa vale
para quem leva para o banho ou veterinário e quer ficar muito perto o tempo
inteiro, segurando, cercando, com medo pelo bicho. Esse tipo de comportamento
do dono gera muita ansiedade no animal, que pode ficar até traumatizado com
essas situações.
Como evitar o problema: “Você tem que passar
segurança. Ter uma postura de liderança e tranquilidade. Agir como se nada
tivesse acontecendo”, afirma o adestrador. Ele sugere, por exemplo, começa a
brincar com o animal, ou dar alguma comida, para ele não focar no barulho e na
chuva.
Caldarelli também dá a dica de tentar antecipar as
situações. “Se começa a armar chuva, você pode ficar brincando com o cão no
colo antes de começarem os trovões. O importante é sua linguagem corporal
passar segurança e conforto, não medo”, afirma. Também é possível preparar o
bicho para situações de banho ou veterinário. Basta passar uma escova no
cachorro, ligar o secador na sala para ele se acostumar com o barulho ou
levá-lo ao pet shop sem o compromisso de tomar banho, para ele se ambientar.
Até mesmo usar vídeos na internet com barulho de trovão ou fogos pode ajudar. É
só colocar o som baixo e ir aumentando gradualmente, para que o cachorro se
acostume com o tipo de barulho.
6. Só sair com o cão depois que todas as vacinas
estiverem em dia
Os cachorros têm que tomar várias vacinas. Em média, o cão
chega na casa do dono aos 2 meses. E há quem diga que ele só pode sair de casa
aos 5, para evitar doenças. O problema de manter o filhote tanto tempo trancado
em casa é que isso afeta diretamente a socialização e o aprendizado do
cãozinho. Entre os 2 e 4 meses é o melhor momento para apresentar ao pet como o
mundo é grande: diferentes pessoas, cachorros, barulhos e carros. “Muitos
cachorros que só saem de casa depois dos 5 meses travam na rua e têm muitos
problemas para conseguir socializar”, explica o especialista.
Como resolver o problema: Também não é para
esquecer as recomendações do veterinário e levar o filhotinho para o chão do
parque, no meio de outros cachorros. Mas, como Caldarelli sugere, você pode
levá-lo para passear de carro, ou dar uma volta no quarteirão com ele no colo,
ou levar para a casa de um amigo que tenha um cachorro que seja saudável e
esteja com as vacinas em dia.
7. Não deixar o cachorro sozinho
Nos primeiros meses, é normal que o dono fique 100% grudado
ao bichinho. Depois, quando precisar sair para trabalhar, ou até mesmo dormir,
o cachorro que fica sozinho começa a raspar a porta, latir ou destruir alguma
coisa. “Nessa hora, a maioria dos donos vai dar bronca ou vai ficar com dó do
cão. Então, por associação, ele entende que a bronca é atenção ou que, se ele
latir muito, você vai ficar com dó.” Desse jeito, o cachorro nunca aprende a
ficar sozinho e pode virar um grande problema para o dono.
Como resolver o problema: Se você está em outro
cômodo da casa e o cão ficar latindo, só apareça quando ele parar – se o
cachorro é novo e não tem vício, ele não vai ficar muito tempo latindo. Assim,
ele vai entender que você só chega quando ele fica quieto. Uma forma de treinar
esse comportamento, sugerida pelo especialista, é espalhar ração num cômodo da
casa, fechar o cachorro o lá, esperar um pouco e voltar. É uma forma de fazer o
cão associar seu retorno com o fato de fazer a coisa certa. Caso não funcione
com a ração, tente espalhar alguma coisa mais gostosa, como salsicha, por
exemplo.
“Para os cachorros que já são muito grudados e têm crise de
ansiedade, uma forma de treinar o desapego e ensiná-lo a sentar e ir se
distanciando aos poucos, até o momento que você se esconde ou entra em outro
cômodo. Isso acostuma o cachorro a ficar sem te ver”, explica Rodrigo. Para os
cães ansiosos, é bom evitar fazer festa logo que chegar em casa depois do
trabalho – ou ele vai marcar esse momento como a maior interação do dia.
Ignore-o um pouco, de 5 a 10 minutos depois que chegar em casa, para o cachorro
se acalmar e diminuir a ansiedade. Depois disso você pode brincar mais.
8. Alimentar mal o cachorro
Tem cachorro que só come a ração se ela estiver misturada
com outros tipo de comida. Como qualquer outro animal, o cachorro prefere comer
o que acha bom do que ter uma alimentação balanceada. Com isso, o animal pode
engordar ou se recusar a comer a ração pura (ou outro tipo de alimentação
saudável que você der a ele). O problema com os petiscos ou mistura de comida
‘de gente’ com a ração é que você acaba dando para agradar o bichinho, mas
perde o controle da dieta adequada e saudável do animal.
Como resolver o problema: Rodrigo explica que
cada cachorro tem que comer uma quantidade de gramas, dividida em uma
quantidade de vezes por dia, que varia de acordo com o tamanho e a raça. “Se o
cachorro tem que comer 300g, três vezes ao dia, e pula uma das refeições, ele
está comendo mais do que precisa e que você pode diminuir um pouco a quantidade
total. Ao mesmo tempo, se ele ficar muito desesperado por comida, pode ser
preciso aumentar um pouco o volume”, afirma o adestrador. Você precisa
controlar o tempo que o cachorro come, ou seja, deixar o prato de ração entre
15 a 20 minutos para ele comer. Além disso, se ele pular o almoço, não pode
aumentar a quantidade de comida para a janta: é preciso manter as porções
certinhas. Também não é bom exagerar nos petiscos, porque o cachorro vai
achá-los mais gostosos e pode querer deixar de comer ração. Ou engordar.
9. Dar bronca sem ensinar
Simplesmente dar bronca no cachorro e esperar que ele
entenda o motivo da sua frustração, em geral, não dá certo. Como já explicamos
nos outros tópicos, os cães aprendem por associação, e podem acabar entendendo
a sua bronca como atenção, o que só vai estimular o comportamento errado ao
invés de corrigi-lo. O adestrador Rodrigo explica que a melhor forma de dar a
bronca no cachorro é trabalhando a punição junto com o reforço positivo. “A
bronca tem que significar fracasso para o cachorro. Ele tem que entender que,
com o comportamento errado, ele não ganha nada. E que, agindo da forma correta,
ele vai ter recompensas”. Mas calma, você não vai precisar premiar seu cachorro
toda hora que ele fizer as coisas certas. “Se durante o treino ele percebe que
o bom comportamento gera gratificações, ele vai fazer uma associação
positiva a isso, sem que seja necessário sempre recompensá-lo caso ele acerte
todas as vezes”, explica.
Como evitar o problema: Você pode usar o “não”,
ou uma latinha com moeda ou um borrifador de água para dar a bronca. Se seu
cachorro sempre tenta destruir os fios do computador, você pode dar a bronca e
esperar alguns segundos para ver se ele entendeu. Se ele não tentar repetir o
erro, você o recompensa. Pode seguir com esse comportamento até ele acertar.
O adestrador lembra que a recompensa pode assumir várias
formas. A mais comum é a comida. Mas também pode ser um brinquedo, carinho, ou
mesmo deixá-lo se aproximar daquele poste, de outro cachorro ou da piscina. Por
exemplo: se um cão puxa a guia para chegar até uma pessoa de que gosta, você
pode usar o método ensinado nessa lista para ensiná-lo a andar sem puxar. No
fim das contas, a recompensa vai ser a própria pessoa.
Fonte: Superinteressante
por Luíza Antunes