Os filmes são bons, mas os títulos são infames

Pode parecer exagero, mas o título de um filme pode ser tão importante quanto seu protagonista. É ele, afinal, que vai causar a primeira impressão e fazer com que você queira ou não dar uma chance para aquela história.

Cada país tem sua estratégia para traduzir títulos estrangeiros, mas as do Brasil estão entre as mais questionáveis – perdendo apenas, talvez, para as de Portugal. Nesta sexta-feira, chega às telonas a sequência de “O Âncora”, comédia cult de 2004 com Will Ferrell. O nome? “Tudo Por um Furo” - sem nenhuma referência ao longa anterior.

O que há de errado, afinal? Será falta de conhecimento sobre o contexto do filme? Será alguma misteriosa tendência de marketing que faz com que os tradutores pensem que determinado título atrairá mais espectadores?

Resolvemos investigar e descobrimos seis características que fazem um título transformar um ótimo filme numa receita de fracasso.

Confira:

1. O PROBLEMA DA SEQUÊNCIA:

Tudo por um Furo (Anchorman 2 - The Legend Continues, 2013)
O primeiro filme foi traduzido ao pé da letra como “O Âncora”, enquanto o segundo ganhou uma tradução mais semântica, buscando mostrar o tema do filme (e talvez evitar a ambiguidade da palavra “âncora”). O problema é que, sem qualquer ligação com o título do filme original, fica difícil saber que se trata de uma continuação.

Entrando numa Fria (Meet the Parents, 2000)
Se o primeiro título já foi criticado por ser genérico demais, a situação ficou ainda mais complicada quando a comédia ganhou duas sequências. Assim, “Entrando Numa Fria” acabou ganhando uma coleção de acessórios: “maior ainda” e “maior ainda com a família”.

Uma Noite Alucinante / A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1981)
O caso de Evil Dead é um dos mais curiosos entre as traduções nacionais. O primeiro filme a chegar por aqui era na verdade o segundo, e foi batizado de “Uma Noite Alucinante 2”. Quando o primeiro finalmente estreou, porém, ele veio com outro nome, mais fiel ao original: “A Morte do Demônio”. Como vocês já devem ter percebido, corrigir uma falha de tradução quando já existe um filme anterior nunca é uma boa ideia...  Como resultado, hoje existem as versões “Uma Noite Alucinante” (1 e 2), “A Morte do Demônio” (1 e 2) ou, simplesmente, “Evil Dead”.

Meu Primeiro Amor (My Girl, 1991)
Traduzir a triste história do casal de crianças em “My Girl” como “Meu Primeiro Amor” pareceu uma boa ideia a princípio... O problema foi quando surgiu uma sequência, com um novo amor. Os tradutores não pensaram duas vezes: “Meu Primeiro Amor 2”.

2. ERRANDO A SINOPSE:

Walt nos Bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks, 2013)
O problema do novo filme da Disney não é apenas o tamanho do título, nem o quão descritivo ele tenta ser. O que realmente incomoda é o fato de Walt não ser o protagonista, mas sim P. L. Travers, a autora de Mary Poppins vivida por Emma Thompson.

Se Beber, não Case! (The Hangover, 2009)
Não parecia uma missão tão árdua traduzir um título como “The Hangover” (literalmente, A Ressaca – que acabou nomeando outra comédia, originalmente chamada de “Hot Tub Time Machine”), mas a distribuidora conseguiu: a comédia ganhou o nome de “Se Beber, não Case”. Se alguém desavisado cruzar com esse nome, pensará que o protagonista se casou com a pessoa errada após uma noite de bebedeira... Não é bem essa a história principal, certo?

Como não Perder essa Mulher (Don Jon, 2013)
Don Jon fazia um trocadilho bastante simples – Jon é um “Don Juan”, expressão bem conhecida no Brasil. A tradução, porém, transformou essas duas sílabas numa frase não apenas longa, mas enganadora. O filme, afinal, não mostra diferentes formas de “não perder uma mulher”, mas discute a objetificação da mulher e o sentido do sexo na vida de um jovem vaidoso. Mais profundo do que você esperava, não?

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977)
Clássico exemplo do tradutor que não assistiu ao filme. Woody Allen e Diane Keaton não são noivos no filme, que, na verdade, mostra o arco de um casal da paixão à crise e tem no título o nome da mulher (que é uma homenagem de Woody à atriz).

O Garoto do Futuro (Teen Wolf, 1985)
Na tentativa de pegar carona no sucesso de “De Volta Para o Futuro”, que também trazia Michael J. Fox, alguns marketeiros afobados decidiram chamar “Teen Wolf” (lobo adolescente) de “O garoto do Futuro”. Mas espere... Ele é um lobisomen e ele não vem do futuro!

A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967)
O título em português de “The Graduate” faz pensar numa história semelhante à de “O Virgem de 40 Anos”, mas esse não é o caso. Dustin Hoffman vive um jovem estudante que se apaixona por uma mulher mais velha – e ele não é virgem.

Amnésia (Memento, 2000)
No suspense de Christopher Nolan, o personagem de Guy Peirce não sofre de amnésia, mas sim de perda de memória recente, que é outra doença. O título original vai no caminho contrário, significando algo como “memória” ou “lembrança”.

Namorados para sempre (Blue Valentine, 2010)
Blue Valentine, como o próprio nome diz, é um filme triste, não muito otimista, sobre as dores de uma pessoa apaixonada. Já o título brasileiro remete a uma comédia romântica, ou a um romance açucarado, e atraiu o público errado aos cinemas.

Amor Sem Escalas (Up in the Air, 2009)
O excelente drama de Jason Reitman ganhou um título injusto. “Amor Sem Escalas” força um romance que não existe -  o filme na verdade mostra a solidão de um homem que trabalha viajando e não constrói raízes.

O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990)
O título original do clássico com Arnold Schwarzenegger significa “recordação total” – o que faz muito sentido, já que a história gira em torno de memórias implantadas artificialmente. A viagem que o protagonista faz, portanto, é entre o real e o imaginário, e não entre o presente e o futuro. Aliás, ele nem é um vingador. Mas a equipe de marketing insistiu que copiar o bem sucedido “O Exterminador do Futuro” seria uma boa ideia.

3. EFEITO-SESSÃO DA TARDE

Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, 2012)
Uma história poética como a de “Beasts of the Southern Wild” (algo como “bestas da selva do sul”) perde grande parte do seu peso ao ganhar um título como “Indomável Sonhadora”. O que era um drama social pesado acabou soando como uma novela mexicana.

A Noviça Rebelde (The Sound of Music, 1965)
“O Som da Música” era um título bem simples, que colocava em primeiro plano a importância da música (trazida pela noviça) na transformação de uma família muito rígida. Com o título em português, o foco recai sobre a noviça e sua rebeldia no convento – coisa que não ocupa mais do que a primeira parte do filme.

Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004)
O título original faz referência ao clássico de zumbis “Madrugada dos Mortos” (Dawn of the Dead”), usando o nome do protagonista (“Shaun”). A história, afinal, acontece em torno dele – um homem sem perspectivas que acaba de perder a namorada e começa a perceber que as pessoas à sua volta se tornaram zumbis. A tradução faz a comédia britânica – irônica e sombria - se parecer mais com uma paródia americana adolescente (como “Todo Mundo em Pânico”).

Levada da Breca (Bringing up Baby, 1938)
O clássico de Howard Hawks com Catherine Hepburn e Cary Grant tem um título original que significa “trazendo Baby” – o que se torna cômico quando se descobre que “Baby” é o leopardo de estimação da protagonista. No título brasileiro, o foco foi transferido para a personagem de Hepburn, numa expressão “caipira” que se tornou rapidamente datada e ainda se confundiu com uma famosa série de TV dos anos 80. Deviam ter ficado com Baby.

4. SPOILERS:

Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011)
Tudo bem, o filme seguiu a tradução dos títulos dos livros. Mas avisar, logo de cara, que o vilão que os protagonistas estão caçando será alguém que violenta mulheres é dar uma dica e tanto para o leitor/espectador que começa a mergulhar na misteriosa história daquela família. No original, o título significa “A garota com a tatuagem de dragão”).

Fruitvale Station – A Última Parada (Fruitvale Station, 2013)
Se era para aproveitar o nome original, então por que incluir um spoiler no subtítulo? Não seria difícil para os brasileiros entenderem algo como “Estação Fruitvale”. Com o título original, o espectador não sabe (a não ser que tenha acompanhado o caso real que inspirou o filme) qual será o desfecho do protagonista. Já na versão em português... Fica difícil acreditar que haverá algum futuro após aquela parada.

5. TÍTULOS GENÉRICOS

Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003)
Enquanto o título original do filme de Sofia Coppola faz referência à situação geográfica dos personagens (americanos visitando o Japão, “perdidos na tradução”), o nome em português poderia servir para praticamente qualquer comédia romântica.

Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956)
No clássico de 1956, último filme gravado por James Dean, o título original (que significa “gigante”) pode estar se referindo ao tamanho da fazenda onde acontece a história ou à ambição do personagem de Dean. Já com o título nacional, fica difícil compreender exatamente qual é o caminho que a humanidade segue, segundo um filme que narra especificamente os conflitos de uma família.

6. SUBESTIMANDO A INTELIGÊNCIA DO PÚBLICO:

Daunbailó (Down By Law, 1986)
É isso mesmo, vocês não leram errado. O drama de Jim Jarmush sobre três presidiários ganhou a desrespeitosa tradução sonora do título (que significa algo como "queda pela lei") na época do lançamento. Depois, passou a ser adotado o nome em inglês, para alívio dos fãs.


Fonte: Guiadasemana por Juliana Varella redator(a)