Você conhece alguém que esteja confinado a um pulmão
mecânico, por causa de poliomielite? Que tenha sido cegado pelo sarampo?
Desfigurado por varíola? Se a resposta é “não”, é porque no Brasil as vacinas ainda são levadas a sério.
Vacinação ampla protege também quem não recebeu a imunização: os membros
vacinados da comunidade atuam como uma barreira que a doença não consegue
atravessar.
FOTO DE CAPA: RAHIMA BANU, DE BANGLADESH, MENINA DE 2 ANOS
QUE FOI A ÚLTIMA PACIENTE DE VARÍOLA DO MUNDO. A FOTO É DE 1975. (FOTO:
REPRODUÇÃO)
Esse efeito, no entanto, vem se diluindo pelo mundo. São
cada vez mais comuns informes vindos de países ricos em que bebês – ainda sem
idade para a primeira vacina – sucumbem a doenças dadas como erradicadas,
porque os vizinhos recusaram-se a vacinar os filhos, abrindo brechas na
imunidade coletiva.
As razões para isso são várias, indo do apego a terapias
alternativas ao preconceito religioso, mas a onda mais recente do fenômeno
surgiu entre 1998 e 1999.
Em 98 saiu, na revista médica inglesa Lancet, um artigo
assinado pelo gastroenterologista Andrew Wakefield. O trabalho sugeria que uma
vacina tríplice – para sarampo, caxumba e rubéola – poderia levar ao autismo.
De lá para cá, descobriu-se que o artigo era uma fraude, a Lancet o renegou e
Wakefield, proibido de praticar a medicina na Inglaterra, emigrou para os
Estados Unidos, onde virou uma espécie de guru de celebridades.
Ao fiasco britânico, seguiu-se o caso timerosal. Esse é um
produto à base de mercúrio, usado como conservante em algumas vacinas. Mercúrio
é um metal tóxico, mas o timerosal contém etil-mercúrio, uma forma que é
rapidamente eliminada pelo corpo. A molécula de mercúrio que se acumula no organismo
humano, provocando danos progressivos à saúde, é outra: metil-mercúrio. A
posição da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que não há motivo para que
se abandone o conservante.
Mesmo assim, autoridades de diversas partes do mundo
decidiram, no fim do século passado, adotar tecnologias mais modernas e retirar
o timerosal das vacinas. Quando o governo dos EUA anunciou que faria isso, o
público ficou assustado – surgiram teorias da conspiração sobre o “real motivo”
da mudança. Alguns pais de autistas desconfiaram que o conservante tinha
causado a doença, tese sem comprovação científica.
Claro, não há garantia de que vacinas sejam 100% seguras.
Nada é 100% seguro. O timerosal só começou a ser usado depois que um lote de
vacinas, contaminado por bactérias, causou mortes.
Mas nada disso muda o fato de que a varíola é uma doença
extinta, e de que a pólio também já teria sumido se a vacinação na Nigéria há
alguns anos, não tivesse sido sabotada por boatos de que a imunização era parte
de uma conspiração para esterilizar meninas muçulmanas.
O ser humano é ruim para avaliar riscos. Tememos mais andar
de avião do que de atravessar a rua, embora muito mais gente morra atropelada
do que em desastres aéreos. Da mesma forma, o perigo de uma reação adversa
grave a uma vacina é muito menor que a ameaça da doença que ela evita.
Fonte: Revista
Galileu por Carlos Orsi