Aparece na mitologia grega e tem menção na Bíblia, esteve no
repertório ritual de tribos e povos de todo o mundo, foi o último suspiro de
grupos decadentes, a inglória salvação de pessoas em situação extrema,
soldados, sobreviventes de queda de avião. A antropofagia até emprestou nome ao
movimento cultural no Brasil. Ainda assim, ainda hoje, o canibalismo se reveste
de uma aura de mito, e mesmo a escassez (não ausência) de exemplos nas demais
espécies de animais serve de argumento a quem diz que é impossível, que nunca houve
que é terrível demais para ser verdade.
Talvez mais terríveis que o próprio ato de comer outro ser
humano seja as razões que não acham explicação no relativismo cultural ou na
absoluta falta de alimentos. São casos como o do alemão Armin Meiwes, que em
2001 procurou na internet alguém para comer e viu Bernd Brandes aceitar a
proposta de se entregar à morte após provar o próprio pênis temperado com
pimenta e alho. Embora seja difícil aceitar a existência de tamanha perversão,
os casos se sucedem e desfiam a pena de psicólogos, que já arriscam ver sadismo
sexual, prazer oral, fantasia de incorporação do outro.
Um Brasil que se julgava livre do canibalismo foi
estarrecido, em 2009, pela denúncia de que membros de uma tribo kulina, em
Envira (AM), haviam assassinado a facadas um jovem deficiente mental e retirado
suas tripas para comer. Indígenas de todos os cantos bradaram contra a tese:
jamais fora costume daquela tribo.
A hipótese de antropofagia ganhou contornos
de boato e o tema saiu de cena – não por muito tempo: recentemente, um trio de
amantes foi preso em Pernambuco pelo assassinato de mulheres cuja carne era
aproveitada na produção de empadas. O motivo? Diminuir a população do mundo e
purificar a alma, segundo a polícia. A seguir esta reportagem apresenta
histórias de brasileiros que, sem obedecer ditames sociais nem pedidos do estômago,
praticaram canibalismo
Linguiça - Entre
1863 e 1864, 60 anos antes de a Alemanha condenar o “vampiro de Hannover”,
Fritz Haarmann, pelo assassinato de 30 meninos cuja carne foi vendida como
salsicha, fazia sucesso em um açougue da Rua do Arvoredo, em Porto Alegre, a
“linguiça especial”. Verso e prosa consolidaram no imaginário da cidade a tese
de que a iguaria era composta de carne humana. Ajudado pela húngara Catarina
Palse, pelo açougueiro alemão Carlos Claussner e por mais dois comparsas, o
bon-vivant José Ramos, apreciador de arte com uma adolescência parricida às
costas, abateu seis pessoas, geralmente a machadada seguida de degola, segundo
relata o historiador Décio Freitas no livro O maior crime da Terra.
Empadas - A
Polícia Civil efetuou,no dia 13 de abril de 2012, a prisão de um homem e duas
mulheres por homicídio e canibalismo em Garanhuns (PE). Uma das detidas vendia
salgados com restos de carne humana. O trio teria matado pelo menos três
mulheres. Jorge Negromonte da Silveira, 50 anos, casado com Isabel Cristina
Pires, 51 anos, também vivia com Bruna Cristina de Oliveira da Silva, 25 anos.
Eles seriam membros de um grupo comprometido em diminuir a quantidade de
pessoas no mundo. A polícia chegou ao trio ao investigar o desaparecimento de Giselly
Helena da Silva, que recebeu proposta para ser babá de uma menina, mas, quando
chegou a casa, foi dominada por Jorge, que é faixa preta em Karatê. O cartão de
crédito dela foi usado pelo menos quatro vezes após o sumiço. Isabel, que
vendia os salgados, confessou os crimes e mostrou à polícia onde estavam
enterrados os restos mortais de duas pessoas. “Eles comiam as vísceras das
vítimas, como o fígado e o coração, para purificar a alma. E quando faltava
ingrediente para as empadas, usavam os restos da carne das vítimas”, disse o
comissário de polícia João Bosco Andrade. O grupo tirava de 8 kg a 10 kg de
carne por vítima e obrigava uma menina de 5 anos a comer. Ela seria filha de
Jéssica Camila da Silva Pereira, outra mulher assassinada pelo trio que deve
responder por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, entre outros
crimes.
Sem sal - Um
desentendimento na madrugada de 20 de agosto de 2011 entre colegas de trabalho
terminou em assassinato com esquartejamento e canibalismo às margens do rio
Tocantins. Paulo César Rodrigues dos Santos, 50 anos, e Jacione Costa Dias, 20
anos, bebiam com Diosmar Rodrigues de Amorim, 26 anos, quando começou a briga.
Assassinado com golpes de facão, Diosmar teve pênis, garganta, mãos, braços e
pernas cortados. Os algozes ainda quiseram tirar o fígado e o coração da
vítima. Paulo César assou e comeu um pedaço do fígado de Diosmar. Os três
suspeitos foram presos em suas respectivas casas na segunda noite após o crime.
Eles foram indiciados por homicídio qualificado, ocultação e destruição de
cadáver. Paulo César admitiu ter dado “uma facada” e comido “sem sal um
pedacinho do fígado dele”, mas não soube dar detalhes sobre o episódio porque
“estava muito bêbado”.
Homofobia - O
garçom Fernando Henrique Alves, 20 anos, foi preso em 25 de agosto de 2011 após
assassinar com uma faca de cozinha o cabeleireiro Gilvan Firmino Ferreira, 25
anos. O crime foi cometido em Alfenas, no sul de Minas Gerais, na garagem da
própria casa de Gilvan, que teve o corpo esquartejado, as vísceras arrancadas,
o pênis inserido na própria boca, os testículos arrancados, o rosto desfigurado
a golpes de extintor de incêndio e um órgão frito, provado e, depois, oferecido
a um cão.
“Eu matei ele, rasguei ele todinho, peguei pedaço do
órgão dele e fritei. Tentei comer, mas não deu, estava sem sal. Dei pro
cachorro.” O jovem não se esquivou de pergunta sobre as razões do crime.
“Motivo? Loucura. Para quem é do mundo do crime é isso mesmo, entendeu? Você dá
droga, e (o drogado) faz coisas que vocês nem imaginam”, afirmou Fernando.
Sangue no copo -
Em 23 de novembro de 2007, um adolescente de 16 anos procurou a polícia de
Mundo Novo (MS) com a boca suja de sangue para confessar participação na morte
de Aparecido Antonio da Silva, 53 anos. O mentor do crime, Gilmar Alberto
Wasckmam, 45 anos, foi encontrado dormindo tranquilamente em casa, também
banhado pelo sangue da vítima, que teve o abdome rasgado de cima a baixo e
órgãos internos devorados. Depois apelidado de “canibal gay” na região, Gilmar
confessou ter utilizado um copo para recolher e beber cerca de 100 ml de sangue
do abdome de Aparecido. À polícia, ele disse que o líquido era “gostoso”, mas
reclamou do fígado – “muito amargo”.
O corpo de Aparecido foi deixado no local do crime, sobre um
colchão em um casebre na Avenida Campo Grande, com o saco escrotal decepado, as
vísceras no chão e quase decapitado por um golpe de faca no pescoço.
Pastel de Rim -
Em março de 2011, foram presos Ismael Costa Vaz e Marcelino Alves dos Santos,
escondidos em uma casa após o assassinato de Natanael Matoso às margens do rio
Palha, em Castanheiras (RO). O motivo: o furto de R$ 50 e de pequena quantidade
de crack. O método: perfuração no tórax. O grotesco: misturar um dos rins da
vítima em um pastel e comer. A confissão foi de Ismael, que disse não ter se
arrependido do crime, que foi desvendado por policiais do Serviço de
Investigações e Capturas (Sevic) da delegacia de Policia Civil de Presidente
Médici, com apoio do Núcleo de Inteligência da Polícia Militar de Rolim de
Moura. Os dois suspeitos foram encaminhados ao Presídio Central.
Fonte: Terra