Existe uma violência silenciosa que, às vezes, machuca muito
mais que física. Esse tipo de “agressão”, que abala o emocional muito mais que
as estruturas do corpo, acontece quando alguém se submete, normalmente por
medo, ao “poder” desproporcional do outro. E, quase sempre, acontece sem
perceber.
Quem sofre de violência emocional, numa relação amorosa, por
exemplo, esquece a própria vida, abandona os estímulos e as próprias vontades.
Muito do que vive, em geral, tem a ver com o desejo e satisfação do outro, numa
submissão inconsciente. “Isso porque essa pessoa tem a tendência a acreditar
nas críticas e insultos recebidos, sem forças para argumentar”, diz a psicóloga
Cora Ferreira, de São Paulo. “A relação afetiva entre essas pessoas impede a
rapidez e a clareza da percepção das manipulações e ameaças”.
Segundo Cora avalia, o agressor é normalmente simpático,
extrovertido e educado, do tipo que conquista fácil a confiança, mas que tende
a ser controlador e hostil. E o agredido se mostra frágil emocionalmente,
inseguro e com baixa auto-estima. Desta forma, os dois acabam por formar uma
“dupla perfeita” nas suas imperfeições. “A questão da violência emocional
acontece por conta dos dois lados. É uma dupla que vai encontrando uma forma de
sobrevivência: um abusa para mostrar e sentir-se poderoso, o outro cede porque
se sente inferior e culpado - e isto vai se tornando um ciclo vicioso. Alguns
gostam de agredir. Outros de apanhar”.
Entre as formas dessa violência que não deixa marca no corpo
está humilhar, depreciar, fazer chantagem com cenas melodramáticas e
desmerecimentos, levando o outro a crer na culpa, na inferioridade e
incapacidade frente a situações como cuidar de si, da casa ou dos filhos. “Em
geral, o agressor minimiza os argumentos do outro e, de forma egocêntrica,
aumenta os seus, dizendo que são mais importantes e urgentes. Busca satisfação constante
de suas vontades, enquanto responsabiliza o outro pelas questões negativas de
suas vidas”, diz Cora, que é especialista em psicoterapia psicanalítica.
Muitas vezes a origem dessa violência é dentro de casa,
quando os pais por estarem cansados ou chateados com algum comportamento dos
filhos, passam a usar de termos nada apropriados ao se dirigirem a seus filhos,
como chamá-los de burros, incompetentes, preguiçosos, uma série de agressões
verbais que tem o poder de atingir a autoestima, promovendo também que essas
crianças ao se tornarem adultas, venham a repetir os mesmos comportamentos de
seus pais.
Em outros momentos, usar do amor para fazer chantagem
emocional com os filhos, esposas, namoradas, também afeta a estrutura
emocional. Se você for à festa vou ficar arrasado, ou se não me obedecer não
vou mais lhe amar, você está horrível nessa roupa, pois seu braço está
horrível, seu seio caído, enfim, de alguma forma o agressor tenta
desestabilizar o outro, diminuindo e afetando sua segurança em relação a si
mesmo.
Essas são formas silenciosas de agressões, pois normalmente
acontecem dentro de casa, ou mesmo em um local protegido, onde o agredido fica
sem ter como provar o que vem acontecendo. É importante ressaltar que um número
muito grande de pessoas afetadas não se dá conta de que estão sendo violados,
apesar de sentirem-se péssimos e entristecidos. Alvos de manipulações, algumas
pessoas chegam a acreditar que de alguma forma age errado, sendo merecedora
desse tipo de agressão.
Outro artifício dessas pessoas agressivas é afastar os
amigos de forma que sua vítima não tenha a quem recorrer, ou queixar-se. Como
não deixam marcas físicas, as queixas constantes dessas pessoas podem soar ao
ouvido do outro como excessivas e sem fundamento, já que muitas vezes o
agressor se mostra afetivo, manipulando o ambiente.
Até mesmo uma super exigência do chefe pode ser uma
agressão, quando estes desrespeitam horários, quantidade de trabalho excessivo,
ou mesmo quando utilizam de linguagem inadequadas com seus funcionários.
Para fugir desse agressor, que usa da força verbal,
psicológica e moral para minimizar o outro, é preciso primeiro identificá-lo.
“Essas pessoas normalmente têm o sentimento de inferioridade encoberto e, para
dar conta do mal-estar que sente, dilapida as bases do outro”, explica a
psicóloga.
Se ainda assim não é possível enxergar o agressor - o amor
bandido às vezes transfigura a realidade - uma boa saída é olhar para si e
pensar a respeito dos sonhos, desejos e o tem feito com isso. “Se estiver
satisfeito, tudo bem! Mas, e se fica muito infeliz com isso? Com certeza vai
ter que dar um basta nesta forma de relação. Se ficar preso à necessidade de
satisfação de alguém, sem levar nada de bom, a vida cobra mais pra frente”,
alerta Cora. E aí, no meio desse círculo vicioso, a vítima se afasta de
parentes e amigos e acaba isolada.
A psicóloga sugere então o diálogo como início de uma nova
cara para a relação. Colocar as questões sobre a mesa e lavar a roupa suja são
saídas. Outra opção é se aproximar de amigos e familiares que possa confiar e
pedir ajuda. “Mas isto é só o primeiro passo, já que as marcas podem ser muito
profundas, não só com relação ao que viveu com o agressor, como também uma
decepção pessoal, por ter se prestado a esta vivência, sem ter se libertado
para sua vida há mais tempo”, diz Cora.
Quanto a isso, a profissional sugere ajuda psicológica,
principalmente para buscar entender porque se permitiu viver isto. “Perguntas
sobre como aprender com o erro são imprescindíveis para experiências
diferentes, no futuro”.