O dia a dia anda cheio de regras: estude em uma boa
instituição, arranje um emprego respeitável, atenda às expectativas do seu
chefe, dos seus amigos, do seu parceiro. Mas, no final da vida, tudo isso não
vai servir para nada - palavra de quem já chegou lá.
Bronnie Ware era uma australiana com uma bem-sucedida
carreira no mundo financeiro, quando se enfezou da vida. Depois de dez anos
trabalhando em bancos, juntou a coragem para pedir demissão e viajar o mundo.
Foi lavadora de pratos num resort em uma ilha paradisíaca, depois garçonete em
um pub inglês - e terminou acompanhante de uma octagenária no interior da
Inglaterra. Daí para virar enfermeira foi um passo natural, e Bronnie começou a
cuidar de doentes em estado terminal, aqueles sem chance de cura. Como o
trabalho era emocionalmente pesado, a australiana começou a se envolver com os
pacientes e a observar um padrão. Todos os doentes reagiam de formas muito
parecidas com a proximidade da morte: medo, raiva, tristeza - e sempre os
mesmos arrependimentos em relação à própria vida. Bronnie começou a anotá-los.
Eram eles: 1) Eu gostaria de ter trabalhado menos. 2) Eu queria ter tido a
coragem de viver a vida que eu desejava, e não a que os outros esperavam de
mim. 3) Eu queria ter expressado mais meus sentimentos. 4) Eu queria ter
mantido contato com meus amigos. 5) Eu queria ter sido mais feliz. Pode ser que
você não queira pensar nisso ainda ou que você já esteja lá. Mas a verdade é
que você vai envelhecer (lembrando sempre que a única alternativa possível, morrer,
é bem pior). Melhor então não se arrepender no final.
1. Eu gostaria de ter trabalhado menos.
Essa é universal. Em um mundo no qual um emprego ocupa 40 horas semanais (se
você tiver sorte) e tem um significado social mais importante do que os valores
morais de uma pessoa (afinal, a primeira pergunta feita quando se conhece
alguém costuma ser "o que você faz?" e não "você dá
esmola?"), o trabalho anda com um peso desproporcional em relação às
outras questões da vida. Nunca se trabalhou tanto - o que indica que esse
arrependimento é o do tempo perdido. Antropólogos estimam que nossos antepassados
caçadores-coletores não trabalhavam mais do que quatro a cinco horas por dia,
sempre procurando ou preparando alimentos. Na Grécia Antiga, um emprego era uma
sina terrível: Homero, o autor da Odisseia, escreveu que os deuses odiavam
tanto os humanos que os condenaram a trabalhar arduamente como castigo. E a
condenação seguiu por milênios. A nossa relação com o trabalho só mudou no
século 16, com a ética protestante, aquela que mede o destino das almas depois
da morte com base no sucesso profissional durante a vida. Ela foi a culpada por
colocar o trabalho no centro da vida das pessoas, onde permaneceu até hoje. Mas
há uma crise na nossa relação com o trabalho. De acordo com uma pesquisa da
consultoria americana Mercer, feita com mais de 1.200 empregados, 56% dos
brasileiros afirmam que consideram seriamente pedir demissão. Para os
trabalhadores do Brasil, o principal fator motivacional é o tipo de emprego que
ele faz. E é ele que está em conflito. Segundo o filosófo-pop francês Alain de
Botton, a crise com o emprego que estamos vivendo é a da falta de sentido.
Antigamente, pessoas faziam ou realizavam algo com o seu trabalho: eram
padeiros, costureiros, vendedores. Esse tipo de ocupação, que tem uma relação
direta com o produto final, quase desapareceu: foi substituído por trabalhos
mais segmentados e burocráticos dentro de grandes empresas. É só procurar
exemplos na lista de cargos na empresa onde trabalho - o que faz um
"gerente de operações pleno" ou um "analista de infraestrutura
júnior"? Certamente, algo menos palpável que pão ou roupa.
"Procuramos um significado no nosso trabalho, uma sensação de que deixamos
alguém melhor com o que fazemos. Ele deveria ser uma chance de criar algo que é
mais sólido do que o resto das nossas vidas", diz de Botton, em uma palestra
sobre seu livro Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho. Deveria, mas, na maior
parte dos casos, não é. Ainda assim, poucas são as pessoas que resolvem dedicar
menos tempo e energia a seus empregos. A própria Bronnie sentiu isso na pele.
"É mais difícil largar a rotina do trabalho do que o trabalho em si. O
emprego vira uma grande parte da identidade das pessoas, ao ponto de que não
sabem mais quem são longe dele", diz. Essa crise de identidade nos leva ao
arrependimento número 2.
2. Eu queria ter tido a coragem de viver a vida que eu desejava, e não a que
os outros esperavam de mim.
O ser humano é um animal social. Só chegamos aqui, depois de milênios de
evolução, porque aprendemos a criar e manter alianças - seja para caçar comida
nos tempos da caverna, seja para fundar impérios ao longo da História, seja
para arranjar trabalho e ter com quem conversar no Facebook hoje em dia. Isso
quer dizer que buscamos manter e fortalecer relações sociais - e, para isso,
queremos agradar e ser aceitos. Uma pesquisa da Universidade de Minnesota
testou esse nosso comportamento. Primeiro, colocou voluntários para conversar
com mulheres que eles não podiam ver, por meio de microfones. Depois, disse a
metade deles que iriam bater papo com moças muito bonitas e, para a outra
metade, que seriam mulheres, digamos, menos estonteantes. Imediatamente, os
homens que julgavam falar com beldades começaram a ser gentis e engraçados -
queriam agradar as moças. Mas o que surpreendeu é que as mulheres do outro lado
da linha começaram a entrar no jogo: conversavam como se fossem realmente mais
bonitas do que as outras, sem nem saber que haviam sido classificadas assim. Ou
seja, atendiam às expectativas dos voluntários.
Agimos assim o tempo todo, das coisas banais do dia a dia, como rir da piada
sem graça de um amigo, às grandes escolhas de vida, como decidir que carreira
seguir. "As pessoas não tomam decisões por si, tomam pelos outros, porque
querem ser queridas. Assim, a felicidade acaba na mão de terceiros", diz
Ana Claudia Arantes, geriatra especializada em cuidados paliativos, do Hospital
Albert Einstein, em São Paulo. O problema é que fazer o que os outros esperam
de você tem um lado pernicioso: na verdade, não deixa ninguém feliz. Um estudo
da Universidade Estadual da Flórida que analisou seis pesquisas diferentes
sobre o assunto, concluiu que quem busca o tempo todo a aprovação dos outros,
tem mais chance de desenvolver depressão. Esforçam-se tanto para agradar que se
perdem no meio do processo. E, claro, não conseguem fazer o que realmente têm
vontade: trabalhar menos, por exemplo, dizer "não" ou...
3 e 4. Eu queria ter expressado mais meus sentimentos e queria ter mantido
contato com meus amigos.
Não ter dito "eu te amo" e ter passado pouco tempo com as pessoas
queridas são dois arrependimentos que conversam entre si - e são dois dos mais
importantes também. E não é a SUPER que diz isso, é o maior estudo de
psicologia já feito. O Grant Study ("Grande Estudo", em português) é
uma pesquisa que acompanha a vida de 268 ex-alunos de Harvard desde 1937 até os
dias de hoje, e que mede todos os fatores de suas biografias para recolher
dados sobre saúde, bem-estar e escolhas de vida. E chegou a uma conclusão
impressionante: aos 47 anos, o fator que mais previa a saúde e a felicidade de
uma pessoa na velhice eram as relações sociais que ela mantinha. Era, claro, o
fato de ter um marido ou uma esposa, mas era principalmente a quantidade de
amigos que eles cultivaram ao longo dos anos. O estudo concluiu que idosos de
70 anos com amigos tinham 22% a mais de chance de chegar à oitava década. E
mais: outro estudo mostrou que quem tem o hábito de dizer a pessoas próximas
como elas são importantes se sente 48% mais satisfeito com as relações que
mantém. "Os amigos nos dão um senso de identidade - ajudam a nos tornar
algo maior do que nós mesmos e a definir quem somos. Não precisamos somente de
relações humanas. Precisamos de amigos muito próximos", diz Ed Diener,
professor de psicologia da Universidade de Illinois, especialista em
felicidade. O que nos leva a...
5. Eu queria ter sido mais feliz.
Essa é de partir o coração. Chegar ao final da vida com esse remorso é mais
comum do que parece. Para Diener, que estuda a felicidade há três décadas, ser
feliz depende em grande parte das escolhas que fazemos - e não só de alguns
poucos eventos de sorte esporádicos. Ou seja, seria bom parar de levar a vida
no automático e exercer a felicidade. Pare de confirmar presença no aniversário
do amigo no Facebook - e vá de fato. Junte a coragem de dizer para o seu parceiro
que você na verdade odeia filmes europeus e prefere ver a sequência do último
Homem de Ferro. E ninguém vai morrer se você deixar seu trabalho um pouco de
lado de vez em quando (um alô para meu chefe que esperou três meses para essa
reportagem ficar pronta). Para Bronnie, as reações de seus pacientes valem
ouro: são um guia prático contra arrependimentos. "Como os conselhos vêm
de pessoas que estão se preparando para morrer, servem como autorização para
você mudar a sua vida também." Está esperando o quê?
Para saber mais
The Working Life: The Promise and Betrayal of Modern Work
Joanne Ciulla, Crown Business, 2001.
Happiness: Unlocking the Mysteries of Psychological Wealth
Ed Diener e Robert Biswas-Diener, Wiley-Blackwell, 2008.
Fonte:
Superinteressante por Karin Hueck