Quer trocar de nome? Veja como.

O nome é vitalício, intransmissível, extrapatrimonial, irrenunciável e imprescritível. Mas em alguns casos a família e até o governo podem mudar isso. Entenda como funciona.Em agosto, um juiz de Tennessee, nos Estados Unidos,  forçou a mudança do nome de uma criança de Messiah (Messias) para Martin. A família católica reclamou. O magistrado fundamentou sua decisão dizendo que “a palavra ‘Messiah’ é um título, e é um título conquistado por apenas uma pessoa, e essa pessoa é Jesus Cristo”. Em Nova York, no ano passado, uma família teve negado o seu pedido de mudar o sobrenome de Nwadiuko para "ChristIsKing" (Cristo é Rei) sob o argumento de que os menores de idade não tinham a obrigação de estar sujeitos a uma crença, embora o filho de 18 anos já tivesse seu pedido de mudar o nome para “JesusIsLord” (Jesus é o Senhor) deferido em um tribunal de outro estado.

A justiça tem o poder de alterar ou proibir termos sugeridos pelos familiares responsáveis, mas somente em casos que o nome exponha o sujeito ao ridículo, seja considerado localmente absurdo ou possa lhe prejudicar futuramente.

Legalmente, seu nome é muitas coisas: inalienável, vitalício, intransmissível, extrapatrimonial, irrenunciável, imprescritível, já foi imutável e hoje é definitivo. Acima de todas essas, seu nome é sobretudo quem você é para o Estado e para a sociedade. Sendo assim, mudar de nome é como se tornar outra pessoa. Mas e quando o sujeito se chama João Bobo, Adolpho Hitler, Anjo Gabriel, Hericlapiton da Silva, Waltdisney, Aides, Caio ou Décio Pinto ou ainda Dinossaura (caso real de homenagem às avós Dina e Isaura)? É bom lembrar que normalmente ninguém tem a chance de opinar sobre o próprio nome, já que o registro deve ser feito obrigatoriamente até 15 dias após o parto. Por isso, o direito de mudança de nome ou sobrenome é previsto em lei, mas há regras para a prática.

A juíza da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo e coordenadora da área de Registros Públicos da Escola Paulista da Magistratura, Tânia Mara Ahualli, antes de tudo, pondera sobre o que chamamos por aí de “nome”. “Nome é o conjunto do prenome, o seu primeiro nome (que os pais escolhem), e o apelido de família ou patronímico (origem), que é o seu sobrenome.” Feita a distinção, a juíza explica que o prenome não pode ser mudado. Pela lei de 1973, ele é considerado imutável. Em 1998, o texto mudou para “definitivo”.

“Se deixarmos as pessoas escolherem o prenome que quiserem isso causaria uma insegurança jurídica imensa. Em regra, as pessoas preferem outro prenome e as relações sociais e jurídicas ficariam fragilizadas. Imagine contratos sendo alterados toda hora, seria inviável”, diz Ahualli. “Já o apelido de família é mais flexível, sendo possível acrescentar um sobrenome da avó, por exemplo. Subtrair ou modificar algum sobrenome já é mais difícil, só em casos de exceção.”

São exceções casos de erro de grafia; quando o registro foi feito pelo pai e em desacordo com a mãe; em casos de humilhação, traumas ou exposição ao ridículo; em caso de homonímia (muitos nomes iguais); em casos de reconhecimento notório (Xuxa ou Lula) ou quando socialmente a pessoa é identificada por outro nome que não o dela; de adoção; e, por fim, de mudança de sexo.

O caso da grafia é muito comum, quando alguém sai no registro com o nome de “Cráudia” ou “Estéfane”, por exemplo. Ou ainda situações em que os pais optam por nomes como “Y” no lugar “I”, ou com variações com “W” e “H” e, no fim, a coisa não sai como planejada. Normalmente são casos rapidamente resolvidos administrativamente no próprio cartório (Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais) e são gratuitos.

Nas demais situações, o que costuma acontecer é o caso ir parar na mão do juiz corregedor. Quando há desacordo entre pai e mãe, normalmente entram Ministério Público e advogados em cena. Em casos de humilhação ou trauma, os processos são mais demorados, costumam envolver psicólogos, e o solicitante tem que provar as razões da mudança e explicar por que o nome ou sobrenome lhe causa prejuízo. Na época que a música “Geni e o Zepelim” (que no refrão conclama a população a jogar “pedra na Geni”), ficou famosa, a Justiça brasileira recebeu milhares de pedidos de mudanças de nomes de Genis. O mesmo aconteceu na época da campanha de preservativos de 1996, com o Bráulio.

No caso de homonímia, o José da Silva pode alegar sofrer problemas legais por ser confundido com outros José da Silva e pedir para incluir um apelido de família ou compor o prenome, e passar a se chamar José Alberto da Silva, por exemplo. É comum também situações de não reconhecimento do próprio nome. “Já peguei um caso de ter que ouvir testemunha em audiência para provar que fulana só era reconhecida por um nome que não o seu de registro. Era um nome meio afrancesado e o nome original era Maria do Carmo. Se no meio social, na casa dela, na família ela é conhecida por um nome e desconhecem o original, é plausível que ela mude”, explica a juíza, acrescentando ainda que esse critério pode valer para quem deseja mudar o nome por questões religiosas.

Exceção mais recente foi a dos casos de transgêneros, que conquistaram não só o direito de mudar de sexo, mas de nome no registro. Mas, em geral, as decisões variam devido à subjetividade do assunto. “Mudança de nome tem as normas que disciplina, mas é uma matéria que fica bastante aberta, depende do entendimento do juiz corregedor”. Portugal é um exemplo de país que tomou medidas para evitar decisões díspares entre seus órgãos de registro e adotou uma enorme lista de nomes que podem e nomes que não podem, embora a eficiência da ação seja questionável.

O que fazer para mudar. Casos de erro de grafia são resolvidos em cartório, no qual foi registrado ou no da sua região. São casos facilmente solucionáveis. Mas os demais envolvem juiz, audiências, testemunhas, manifestação do Ministério Público e podem incluir psicólogos, assistentes sociais e até a Defensoria Pública. Pedimos um passo a passo à juíza Tânia Mara Ahualli para quem sonha em mudar de identidade. Veja:

Onde ir?
Em casos que não sejam possíveis de se resolver em cartórios, o solicitante deve se dirigir ao fórum cível relativo à sua residência.

Há uma época ideal para mudar?
O solicitante pode fazer o pedido na Justiça quando quiser, mas é sabido que antes dos 18 anos é mais fácil. Isso porque depois da maioridade há uma quantidade grande de documentos necessários (certificações negativas) para se comprovar que a mudança do nome não tem a ver com alguma possível tentativa de fuga de responsabilização criminal. Quando o individuo faz 18 anos ele tem até os 19 anos para mudar ou retificar administrativamente o nome (mas não por capricho). Até esta idade, ele precisa ser representado ou assistido pelos pais. O serviço é gratuito, mas o solicitante precisará de um advogado que pode ser particular ou solicitado via Defensoria Pública.

E depois?
Feita a mudança, o cidadão deve atualizar todos seus contratos e documentos em registro público. Se for dono de um imóvel, é preciso atualizar o documento com o novo nome. O mesmo vale para diplomas de faculdade e documentos básicos como CPF e carteira de trabalho.


Fonte: Revista Galileu