Sentir cólicas terríveis e incapacitantes não é normal. E
também não é frescura. Só as mulheres que sofrem de endometriose sabem o
quanto a dor provocada por ela é dilacerante. Além das cólicas,
desconfortos lombares e até desmaios, a doença causa o refluxo do sangue
menstrual, inflamando diferentes partes do corpo.
A endometriose acontece quando algumas
células do endométrio, tecido que reveste a cavidade intrauterina e que descama
durante a menstruação, mudam seu percurso, caindo nas trompas e chegando à
cavidade abdominal. Essas células "perdidas" vão se grudar em órgãos
como ovário, bexiga, intestino e vagina, causando uma inflamação e, em certos
casos, infertilidade.
De acordo com o Dr. Drauzio Varella, que no domingo (08)
iniciou uma série sobre o assunto no programa Fantástico, 10% das mulheres
sofrem com a doença. Difícil de ser diagnosticada, a endometriose pode
atrapalhar a vida da mulher por longos anos. E enquanto um especialista não
detecta a doença, as pacientes perdem emprego, a qualidade de vida e a
autoestima.
Caroline Salazar, 34 anos, jornalista e criadora do blog
"A Endometriose e Eu", demorou 18 anos para descobrir a doença,
sofreu 21 anos com as dores da endometriose e passou por duas cirurgias que a
deixaram com aderências pélvicas. É considerada uma ativista, que luta
bravamente para que a doença seja levada mais a sério e que perca sua infeliz
descrição de "doença da mulher moderna".
"Eu descobri que tinha endometriose com 13 anos, quando
tirei meu apêndice, e naquela época eu não era moderna", dispara. "Eu
tinha uma cólica forte, que os remédios não ajudavam a aliviar. Aos 15 um cisto
no ovário fez reincidir a doença. E nenhum médico me disse que meu problema era
endometriose", explica. "O que faltam são médicos especializados na
doença para fazer um diagnóstico mais preciso", afirma Caroline.
Pelas pesquisas que a blogueira faz desde que montou o blog,
a endometriose pode ser causada, por exemplo, por certos tipos de pesticidas
(que já foram proibidos no Brasil, mas até hoje estão pelo ar) e pelo bisfenol
A contido nos plásticos.
Alimentos como cafeína, chocolate, margarina e carboidratos
refinados devem ser reduzidos. Na lista de alimentos proibidos estão produtos
de soja e que contenham fitoestrogênios, os alimentos contaminados por dioxinas
(porque podem aumentar o risco de desenvolvimento de endometriose) e as
gorduras saturadas, as trans ou as hidrogenadas que podem aumentar processos
inflamatórios no organismo.
Cólicas e endometriose
A demora no diagnóstico se deve ao fato de que os médicos
acham que cólica forte é algo normal, o que não é verdade. A jornalista explica
que a cólica da endometriose é diferente, é ardida e a mulher sente pontadas.
Algumas endometrioses são assintomáticas (sem sintomas), mas isso não tem
nenhuma relação com o grau da doença.
"A dor física causada pela endometriose é cruel, impede
a mulher de ser mulher, tira a liberdade dela", diz Caroline. Em estágios
avançados, a endometriose causa dor durante a relação. "Dá para avaliar a
gravidade disso? A mulher fica assexuada! Essa doença mata a mulher que existe
dentro da gente!"
Por conta das dores, Caroline perdeu oportunidades de
emprego, porque precisava fazer fisioterapia na parte da tarde duas vezes por
semana. "Eu me propunha a não almoçar para ir ao médico, mas as empresas
negavam, ficavam com medo de me contratar, achando que eu era uma
inválida", lamenta.
A blogueira conta que perdeu amigos, porque sentia dores e
não podia sair com eles. Uma amiga chegou a dizer que ela estava com manha.
"Se eu estivesse com câncer terminal certamente meus amigos iriam me
visitar. Mas como era ‘só’ uma cólica forte... O maior preconceito vem das
pessoas que não entendem as nossas dores. A mulher com endometriose tem um
semblante mais amargo, não é feliz. A dor é dilacerante. Somos julgadas o tempo
todo, é a pior coisa que existe".
Soma-se ao preconceito, o constrangimento. Caroline conta
que, pelo fato de a endometriose afetar o funcionamento de órgãos, entre eles o
intestino, as fezes têm odor mais acentuado. E a mulher pode ter grande
dificuldade para evacuar ou sofrer de diarreia. "Neste caso, quando os
gases escapam, parte das fezes escapam, sujamos nossas calcinhas. Por isso
precisamos ter sempre uma peça íntima extra na bolsa."
Como tratar a endometriose?
Dra. Rosa Maria Neme (CRM SP-87844), graduada em Medicina
pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com doutorado em
Medicina na área de Ginecologia pela Universidade de São Paulo e Diretora do
Centro de Endometriose São Paulo, explica que a doença não tem cura, mas pode
ser controlada com medicamentos ou cirurgia.
"A escolha da terapêutica mais adequada dependerá da
severidade dos sintomas e do grau da doença instalada". E vale um alerta:
os medicamentos hormonais, que bloqueiam o estímulo hormonal, não devem ser
adotados pelas mulheres que desejam engravidar, uma vez que eles têm ação
anticoncepcional.
A especialista lista
quatro tratamentos:
DIU: O dispositivo pode ser usado no tratamento
clínico de qualquer grau de endometriose, porque libera diariamente uma dose
definida de progesterona e tem durabilidade de cerca de cinco anos. "O DIU
já foi consagrado como um dos métodos de escolha no tratamento de manutenção,
mesmo após a realização de uma cirurgia", esclarece Dra. Rosa.
Progesterona Contínua: O allurene (nome comercial)
causa um efeito bastante intenso na atrofia dos focos de endometriose.
"Ele apresenta uma tendência na parada da menstruação e melhora dos
sintomas inflamatórios da doença. O uso de medicações contendo apenas a
progesterona, sem o estrógeno combinado, tende a ser bem efetivo nesses
casos", relata a especialista.
Laparoscopia: A intervenção é indicada quando os
sintomas da endometriose são mais intensos, em casos mais avançados da doença
ou ainda nos casos leves, quando não houve melhora dos sintomas com o
tratamento medicamentoso. No momento do procedimento, todos os focos de
endometriose evidenciados são imediatamente retirados e cauterizados. "A
laparoscopia é um procedimento de grande dificuldade técnica, que requer
profundo conhecimento da anatomia pélvica - que, muitas vezes, encontra-se
bastante alterada pela intensa atividade inflamatória provocada pela
doença", esclarece a médica.
Cirurgia robótica: É indicada quando a endometriose
está em fase mais avançada e já se instalou profundamente na região do
intestino - chamada endometriose intestinal ou complicada. O procedimento é
minimamente invasivo e definido pela Dra. Rosa como excepcional, uma vez que
sua tecnologia permite uma visão mais precisa e detalhada da região a ser
operada.
Diagnóstico da endometriose
Como a endometriose atinge outros órgãos, é importante que a
mulher procure diferentes especialistas. Caroline, por exemplo, recorreu a um
ginecologista e a um proctologista. "Por conta das cirurgias que fiz,
fiquei com aderência (quando um órgão cola no outro). Meu médico descobriu que
meu intestino estava fora de lugar. Nem sabia como eu ainda estava viva",
conta.
Há casos severos em que a mulher precisa retirar não somente
o útero, mas a parte do órgão atingido pela doença. "A endometriose é um
como um câncer, que precisa retirar as partes atingidas pela doença. É cruel
demais!", lamenta Caroline.
Há um ano e meio sem dor, a blogueira, que até então não
havia pensado em ser mãe, resolveu colocar o assunto em pauta. Atualmente,
Caroline faz uso do DIU para controlar a doença. "Vou começar a pensar no
assunto e quero tentar engravidar antes dos 38 anos."
Marcha de conscientização contra a endometriose
No dia 13 de março de 2014 vai acontecer a Marcha Mundial
para Endometriose (Million Women march for Endometriosis -
http://aendometrioseeeu.blogspot.com.br/p/marcha-mundial.html), a primeira
manifestação em massa em prol de uma doença no mundo. A ideia é ir às ruas e
cobrar dos governantes o reconhecimento maior da endometriose e alertar sobre a
gravidade da doença. O evento foi idealizado pelo médico americano Camran
Nezhat. Aqui no Brasil, a própria Caroline Salazar será a capitã.
* Serviço: Caroline Salazar, jornalista e criadora do blog
"A Endometriose e Eu".
Fonte: Vila
Mulher por Juliana Falcão (MBPress)