Na manhã da última segunda-feira(20), o Exército brasileiro
assassinou a onça Juma, que era mascote do 1º Batalhão de Infantaria da Selva
Aeromóvel (1º BIS). A onça foi morta após participar da tour da Tocha Olímpica
pela cidade de Manaus (AM). A morte de Juma revela o drama de uma espécie
ameaçada de extinção e gera questionamentos sobre a manutenção de animais
selvagens em centros do Exército na Amazônia.
A onça Juma foi abatida com um tiro de pistola no Centro de
Instrução de Guerra na Selva (Cigs) logo após ser exibida no evento olímpico.
Como outra onça, apelidada de Simba, ela havia sido acorrentada e apresentada
ao público durante a cerimônia.
O Exército mantém várias onças em cativeiro na Amazônia. Os felinos,
bem como animais de outras espécies, costumam ser adotados pelo órgão ao serem
encontrados em cativeiro ou em poder de caçadores.
Muitas onças, como Juma, se tornam mascotes dos batalhões e
passam por sessões de treinamento. Em Manaus, os felinos são presença frequente
em desfiles militares, prática condenada por biólogos e veterinários.
Em 2014, durante gravação de um documentário em Manaus,
militares do Cigs mostraram Juma, a mascote do centro, à BBC Brasil. Na época,
explicaram que a onça havia sido resgatada com ferimentos após sua mãe ter sido
morta. Foi levada para o centro e ali cresceu sob os cuidados de tratadores.
O destino trágico de Juma chama a atenção para a situação
cada mais precária da espécie, listada como ameaçada no Brasil pelo Ibama em
2003.
É um animal que exige extensas áreas preservadas para
sobreviver, caçando espécies como capivaras e até jacarés. Ela vem sendo
ameaçada pelo desmatamento, não apenas na Amazônia como também no Pantanal e no
Cerrado, para abrir espaço para a expansão da atividade agropecuária.
Tiro de pistola
Em nota enviada ao site da agência local de notícias
Amazônia Real, o Comando Militar da Amazônia (CMA) diz que, após a solenidade olímpica
na segunda, Juma escapou dentro do zoológico do centro do Exército. O órgão
afirma que um grupo de veterinários e militares tentou recapturá-la com
tranquilizantes, mas que, mesmo atingido, o animal avançou sobre um soldado.
"Como procedimento de segurança, visando a proteger a
integridade física do militar e da equipe de tratadores, foi realizado um tiro
de pistola no animal, que veio a falecer", diz o órgão.
Segundo o Amazônia Real, dois militares seguravam a corrente
presa a Juma durante todo o evento. O site diz que muitas pessoas tiraram fotos
com a onça na cerimônia. Ela teria fugido logo após a exibição, quando
militares tentavam colocá-la numa caminhonete.
O Exército diz que abriu um processo administrativo para
investigar a morte do felino. Segundo o Amazônia Real, o Instituto de Proteção
Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) não havia autorizado a participação de
Juma no evento e poderá multar a corporação.
Indomesticável
Para João Paulo Castro, biólogo com mestrado em
comportamento animal pela Universidade de Brasília, Juma pode ter fugido após
se estressar durante o evento.
"Não é saudável nem recomendável submeter um animal a
uma situação como essas, com barulho e muitas pessoas em volta", ele diz à
BBC Brasil.
"Muitas vezes a onça já vive numa situação precária e
estressante no cativeiro, o que é agravado num cenário de agitação."
Castro diz que muitos batalhões do Exército na Amazônia
mantém onças em cativeiro. Ele afirma ter visitado um centro que mantinha um
felino em Cruzeiro do Sul (AC) em condições "bem toscas".
Segundo Castro, é um erro tratar onças como animais
domesticáveis. Ele afirma que são necessárias várias gerações em cativeiro para
que uma espécie se acostume a conviver com humanos.
O biólogo diz que, idealmente, onças apreendidas devem ser
devolvidas à natureza ou levadas a refúgios, onde possam ficar soltas em amplos
espaços.
Segundo ele, a soltura de felinos é um processo complexo,
mas há casos bem sucedidos pelo mundo, como o de tigres devolvidos a florestas
na Ásia.
Horas antes da morte de Juma, a BBC Brasil pediu ao Exército
detalhes sobre a manutenção de animais selvagens em dependências do órgão na
Amazônia. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Um veterinário de Manaus que já trabalhou com o Exército e
pediu para não ser identificado defendeu o órgão das críticas. Segundo ele, ao
cuidar de animais resgatados, a corporação assume uma função que deveria ser de
outros órgãos públicos.
Ele diz que os militares são muito cuidadosos com os animais
e que a burocracia impede que muitos sejam devolvidos à natureza.
O veterinário afirma ainda que grande parte das onças
resgatadas chegam ao órgão ainda filhotes e se tornam dependentes dos cuidadores,
o que torna difícil sua soltura.
Fontes: BBC , PortalForum
Foto: Ivo Lima/ME